Ser popular, perder a virgindade, não ficar estigmatizada como a garota que teve paralisia depois da morte repentina do pai. No primeiro dia do Ensino Médio, Devi Vishwakumar (Maitreyi Ramakrishnan) sabia bem o que queria e, na sua cabeça, bastava que ela e as melhores amigas, Eleanor (Ramona Young) e Fabiola (Lee Rodriguez), seguissem um plano bem definido para brilharem no Sherman Oaks High. Não demorou muito para a protagonista de Eu Nunca... perceber que a vida não segue uma cartilha tão previsível assim.
Quatro anos depois, prestes a se formar e dar início a uma nova etapa da vida, ela continua impulsiva, insegura e competitiva. A série criada e conduzida com muita sensibilidade e competência por Mindy Kaling e Lang Fisher chega ao fim sem lição de moral, com uma Devi ainda ostentando o título de rainha das atitudes impensadas e, a cada episódio, correndo atrás de uma solução de emergência para a última confusão que criou. Qual foi a lição aprendida então? Não era para a adolescente, enfim, amadurecer ao fim de toda essa jornada?
A situação, na verdade, é mais complexa do que isso. Por um lado, a jovem passou a enfrentar seu trauma e a lidar com seus sentimentos, como bem pontua sua terapeuta, Jamie Ryan (Niecy Nash). Por outro, Devi se vê cercada por adolescentes e adultos mentindo para si mesmos, fugindo de decisões difíceis e com dificuldades de expressar o que sentem, como a avó, Nirmala (Ranjita Chakravarty), guardando um segredo da família, ou a prima, Kamala (Richa Moorjani), adiando sua resposta a uma proposta de trabalho. Paxton (Darren Barnet) também entra nessa lista: quando a ex-namorada estranha sua surpreendente escolha de carreira, ele responde prontamente “Sou um adulto, sei o que estou fazendo”, claramente sem saber o que estava fazendo.
Afinal de contas, amadurecer não é se tornar uma pessoa sábia da noite para o dia, ter todas as respostas, não errar, deixar de ter medos e dúvidas. Talvez seja aprender a lidar com as consequências dos seus atos e perceber que todo mundo ao nosso redor também está enfrentando suas questões. Se não dá para viver sem criar expectativas, é bom saber que a decepção e as derrotas também fazem parte do caminho. E é exatamente isso que acontece com quem resolve seguir conselhos ruins de amigos e de celebridades sobre sua vida amorosa e acadêmica, como faz Ben (Jaren Lewison), ou quem idealiza sua primeira visita a Princeton, como faz Devi.
Em sua quarta e última temporada, Eu Nunca... mantém suas principais qualidades: bom desenvolvimento de personagens, diálogos afiados, excelentes citações pop (Kristen Stewart mais uma vez sendo uma referência impagável) e atuações carismáticas desde o elenco principal até os coadjuvantes. Destaque aqui para Trent (Benjamin Norris), o autor dos melhores piores conselhos da temporada; Eric (Jack Seavor McDonald), que cresceu demais ao longo da série e ganhou destaque merecido no episódio em que quer entrar na equipe de natação; e Mr. Shapiro (Adam Shapiro), mais discreto na reta final, mas igualmente sem noção e adorável. A excelente narração do tenista profissional John McEnroe também fica entre os pontos altos da série (infelizmente não podemos dizer o mesmo de Gigi Hadid no episódio de Paxton).
É ótimo perceber também o cuidado da série em relação aos personagens que giram no entorno de Devi. Fabiola e Eleanor têm seus próprios dilemas, tramas com temas relevantes e desfechos bem resolvidos. Nalini (Poorna Jagannathan), espinha dorsal dos principais conflitos com a filha, brilha em cada cena com Devi, seja nos momentos mais dramáticos ou nas cenas mais divertidas.
O senão da temporada fica por conta de algumas situações arranjadas à força, como a formação de alguns casais sem muita química na temporada final, apenas para garantir o final feliz que se espera de uma série de comédia. Além disso, a participação tão pequena e sem importância de Aneesa (Megan Suri) é um mistério inexplicável.
Quanto à tumultuada vida amorosa de Devi, podemos dizer que Ethan (Michael Cimino) foi uma boa aquisição. Só a cena do sonho, com autorreferência à primeira temporada, já valeu a pena, mas a verdade é que ele foi o único tempero romântico da vez, já que a tensão entre a protagonista, Ben e Paxton simplesmente desapareceu. No fim, seu par pode decepcionar quem torcia por outro casal, mas é isso: nem sempre as coisas saem como desejamos.