Por baixo de todo o deboche típico do revival slasher dos anos 1990, Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (o filme original) sempre foi, essencialmente, uma fábula moral. A ideia de Kevin Williamson era subverter uma lenda urbana popular nos EUA, que contava de um assassino com ganchos nas mãos cujas vítimas eram casais que paravam carros em lugares isolados para uma boa e velha pegação, e mostrar ao invés disso a história de um grupo de adolescentes (relativamente) realistas lidando com a culpa que sentiam por um ato que realmente fazia por merecer essa reação - e não simplesmente por terem uma vida sexual ativa.
Mais de 20 anos depois, Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (a nova série de TV, do Amazon Prime Video) posiciona, audaciosamente, que até a moralidade de Williamson já está ultrapassada em 2021. No comando deste reboot, a roteirista Sara Goodman (Preacher) olha para a distinção simplista entre heróis e vilões que forma o próprio núcleo do slasher como o conhecemos e decide que precisa de um pouco mais de conflito emocional para carregar oito episódios de televisão. É uma avaliação certeira.
Assim como o original, a nova Eu Sei o Que Vocês Fizeram mostra um grupo de jovens que, voltando para casa após uma festa de formatura, atropela uma pessoa na estrada e decide esconder o corpo ao invés de chamar a polícia. Um ano depois, quando uma das jovens envolvidas no incidente volta para a cidade natal durante as férias de verão da faculdade, um misterioso assassino começa a eliminar os integrantes da turma, um por um.
O twist adicional aqui é que a vítima do atropelamento é Allison, a irmã gêmea da protagonista Lennon (Madison Iseman, ótima em papel brevemente duplo). Goodman desenrola o histórico das irmãs, donas de personalidades opostas e advindas de uma família disfuncional, com óbvio deleite novelesco - e aplica a mesma disposição dramática para as relações complicadas entre o restante do grupo de protagonistas.
Eu Sei o Que Vocês Fizeram se coloca à frente e à parte dos filmes originais justamente pelo quanto parece genuinamente amar o desajuste e a perturbação de suas criações. Emaranhados em provocações psicossexuais uns com os outros, perdidos nas próprias desilusões familiares, às voltas com a fluidez de identidade da era das redes sociais... esses jovens nem precisavam de um assassino em série brutal perseguindo-os para serem material de primeira para um thriller adolescente.
Com todo esse drama nas mãos, a série consegue tomar o seu tempo com as mortes e manter um suspense real sobre quem será o próximo da lista - mesmo porque o assassino em questão não parece ter um método definido. Quando chegam, as cenas sangrentas são satisfatórias, embora não exatamente tão criativas quanto parecem achar que são, principalmente porque Eu Sei o Que Vocês Fizeram sofre com uma equipe de diretores incapaz de esconder suas limitações orçamentárias ou estilizar a violência de uma forma que eleve o choque desses momentos a algo mais duradouro, a um clima pervasivo de tensão durante os episódios.
Por isso, em alguns momentos, a temporada de oito episódios pode parecer exaustiva. Apesar dos problemas de ritmo, no entanto, a nova Eu Sei o Que Vocês Fizeram é em grande parte uma bobagem divertida, com personagens que dão pano para manga, interpretados por jovens atores carismáticos (Brianne Tju é especialmente irresistível como a influencer Margot), e um coração genuinamente subversivo. Para os padrões da franquia, já é mais do que o bastante.