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Crítica

For All Mankind rompe de vez com a realidade em ano político e revolucionário

Quarta temporada sedimenta colonização de Marte e deixa ação de lado para focar nas consequências humanas mais palpáveis

12.01.2024, às 08H00.
Atualizada em 12.01.2024, ÀS 12H29

Boas histórias frequentemente partem de uma ideia simples, elaborada de uma forma que a torne distinta. Com For All Mankind, é o que acontece. Quatro anos após iniciar o trabalho especulativo sobre a corrida espacial para chegar à Lua, a série cumpre com louvor o que foi, certamente, seu maior desafio até então: manter sua essência ao chegar perto demais da realidade de sua audiência.

Afinal, o grande triunfo do drama científico criado por Ronald D. Moore é exatamente a capacidade de elaborar histórias absolutamente humanas em contextos grandiosos e complexos, o ponto forte de seu autor. Embora atraente e muitíssimo bem fundamentado, o teor geopolítico da trama é apenas um trampolim para que as fissuras emocionais criadas em cada um daqueles personagens sejam expostas da forma mais clara possível.

No quarto ano, a impressão que temos é a de estarmos diante de um imenso quebra-cabeças enfim começando a tomar forma. Após décadas explorando o espaço, pela primeira vez vemos a colônia de Marte se transformar em um povo, que carrega consigo para fora da Terra todas as estruturas hierárquicas herdadas da sociedade contemporânea. E aqui vai o primeiro golpe: capitalismo ou socialismo parecem ser apenas duas palavras diferentes para que o poder se mantenha sempre nas mesmas mãos.

É interessante ver, agora, que as duas frentes em que a série opera tornam-se ao mesmo tempo paralelas e convergentes; aqueles que estão em Marte têm suas próprias inquietações e exigências, enquanto o que se desenrola na Terra os afeta, diretamente, pouco ou quase nada. A princípio, a impressão que isso dá é de uma temporada dispersa e sem unidade criativa, mas logo fica claro que há um motivo para isso.

É mérito de um trabalho bem pensado e estruturado, aliás, que o desfecho da temporada tenha sido insinuado desde o início, mas que ocorra sem ser óbvio.

Quando a chegada de Miles Dale (Toby Kebbell) aponta para uma revolta trabalhista, a impressão inicial é que veremos uma simples (mas empolgante) refação de revoluções populares do início do século passado. No entanto, o movimento jamais é usado de forma simplória apenas para empurrar a história adiante. Pelo contrário, o foco nesta porção dos funcionários da Helios funciona em uníssono com o que acontece com Margo (Wrenn Schmidt) na URSS, e a frágil reconstrução de sua relação com Aleida (Coral Peña).

Por isso, saem do foco diretores da NASA, presidentes e executivos que, desde o início, serviam mais como um impedimento do que um propulsor dos grandes movimentos; cada vez mais nas trincheiras, For All Mankind desvia o olhar para as consequências de tanta sede de poder para quem cumpre ordens sem ter voz. E mostra que, embora essa voz da massa pode ser manipulada, não é o que veremos por aqui.

É justamente por isso que a eclosão da revolta dos trabalhadores dá a sensação de ciclo completo. Se inicialmente o incômodo era por melhores condições de habitação e tratamento na estação, a trama dá conta de levar todos aqueles personagens para um lugar mentalmente mais ambicioso e perspicaz.
E aqui está o segundo golpe: enquanto a revolta hibernava ao longo da temporada, Happy Valley foi deixando de ser apenas um trabalho, e Marte foi se tornando um lar para quem já foi invisível.

O resultado é apoteótico e catártico em todos os sentidos; o final de temporada é como se uma panela de pressão enfim explodisse após dar muitos indícios de que era hora de desligar. É neste ponto que as histórias se convergem de forma coerente, com Margo tomando a mesma decisão que Dev (Edi Gathegi), Ed (Joel Kinnaman) e companhia.

Agora é impossível olhar para trás: o asteroide Cachinhos Dourados se tornou um ponto de ruptura inevitável entre Marte e a Terra, e levanta um dilema com relação direta com o título da série; o que seria melhor para toda a humanidade, trazê-lo para a Terra ou desviá-lo para Marte? Se o imediatismo fala do lado oposto da evolução, então a resposta já está clara.

No fim, o que a quarta temporada de For All Mankind representa é um caminho sem volta na exploração de até onde a ambição humana é capaz de chegar. Infelizmente, deixar de lado as cenas em que tudo dava errado fora da estação é um equívoco que faz com que a trama perca boa parte da sua urgência. Ainda assim, tensa como nunca e mais coerente do que jamais esteve, a série caminha para se tornar uma das grandes obras esquecidas pelo panteão das premiações. (E que venha 2012!)

Nota do Crítico
Ótimo