Séries e TV

Crítica

Menos casca grossa, Gen V é… literalmente a versão adolescente de The Boys

Desfecho eleva o drama teen ao nível de grandiosidade da original

02.11.2023, às 21H00.
Atualizada em 06.11.2023, ÀS 17H22

A ideia de uma versão adolescente de The Boys poderia soar esquisita. Não estamos falando de uma Sopranos, uma série cabeça, realmente pesada em sua abordagem, que pareceria se distanciar muito da original ao assumir uma voz mais jovem. Mas Gen V, a derivada que se passa no mesmo universo - mas em uma universidade de super-heróis - soube tirar proveito de sua premissa. Funcionando perfeitamente como a The Boys adolescente, ela foca no drama e no espírito teen com propriedade - para o bem e para o mal. 

Isso porque por mais que estejamos acostumados com o mundo de crueldade de The Boys, somos levados de volta a um lugar de inocência - e esperança - muito apropriadamente jovem em Gen V. Para isso, a protagonista de Marie (Jaz Sinclair) faz perfeito sentido. A garota marginalizada por ter matado seus pais acidentalmente ao descobrir seus poderes quando criança entra na Universidade Godolkin e, claro, seu mundo brilha. É um universo novo, onde heróis ainda parecem promissores (por mais que o mundo já saiba da crueldade do Composto V e as atrocidades recentes do Capitão Pátria). 

Viver a faculdade pelos olhos de Marie é um grande acerto de Gen V, porque nos coloca como testemunhas em uma jornada imprevisível, de uma garota que procura acolhimento. A investigação da jovem sobre a morte de um professor, assassinado pelo garoto prodígio da faculdade – Golden Boy, que depois comete suicídio – é uma que pode levar a lugares contrastantes: à realização e conformidade da realidade em que vive, ou à revolta com o domínio dos poderosos. A escolha não difere da essência da série original, mas em Gen V somos jogados para trás de modo quase didático. Ela explora a dificuldade da escolha porque a coloca nas mãos de pessoas muito menos experientes, em estado de formação. 

Neste cenário, faz todo sentido ser levado a acreditar em quem parece te querer bem. Por isso, as figuras de autoridade de Gen V - nossos antagonistas por definição em uma série adolescente - são questionáveis, suspeitos, mas sempre cativantes. Sabemos, de antemão, que a reitora Shetty (Shelley Conn) não tem as melhores das intenções. Mas sua relação com Marie, assim como com Cate (Maddie Phillips), é bem construída, e retrata as distorções e questionamentos de quem ainda procura o seu lugar no mundo. O público, por sua vez, ao todo tempo questiona também as mesmas figuras, porque Gen V sabe brincar com o cenário que nos insere. Por algum motivo, o Dr. Cardosa (Marco Pigossi), por mais que lidere experimentos visivelmente perversos no laboratório secreto da escola, não parece tão maléfico assim.

Enquanto Marie é o exemplo principal dos dilemas da adolescência, todos os personagens coadjuvantes que a acompanham passam pelo mesmo processo, um que é envelopado, claro, pelas questões essencialmente jovens que eles, em si, simbolizam, seja de identidade de gênero, distúrbio alimentar, abuso ou, de modo geral, traumas de infância. Enquanto tudo isso pode parecer meio básico na reta inicial de Gen V, é no caminho ao fim que a série prova sua esperteza, porque nunca limita seus personagens aos seus rótulos. Na realidade, o progresso e desfecho de todos os personagens é feito de modo muito natural - com um destaque especial para as escolhas finais de Cate e Sam (Asa Germann). 

E por mais que a derrocada dos personagens seja difícil de assistir, o que marca Gen V no fim das contas é o seu olhar compreensivo pelas dores adolescentes e sua insistência pela afetuosidade. Por toda sua nojeira e sangue, Gen V faz questão de parar um tempo para retratar a delicada perda de virgindade de Sam, por exemplo - e faz isso sem medo de pender para o brega. Do mesmo modo, a paixonite entre Jordan (London Thor/Derek Luh) e Marie é tratada com ternura, assim como as questões entre Andre (Chance Perdomo) e seu pai. 

Se tudo isso parece muito delicado, é porque é, mas Gen V também não desvia de um discurso muito propriamente jovem de fuga de responsabilidade, afinal, os traumas de infância de cada um sempre acabam desembocando no tradicional “nada disso é sua culpa”. A esperteza da série, aqui, é não refutar a veracidade da constatação - mas examinar, principalmente, o resultado dessa mentalidade. 

A estrutura e seu desenvolvimento, super bem feitos, não escapam, porém, da limitação básica da ideia. Gen V é a versão adolescente de The Boys e traz toda a novidade possível com isso – mesmo que isso não queira dizer tanta coisa assim. 

O desfecho de Gen V, não surpreendentemente, nos leva a uma eventual conexão com a 4ª temporada de The Boys, e as aparições surpreendentes da reta final elevam uma série de dramédia adolescente ao nível de produção grandiosa que a original sempre teve. E enquanto é divertido ver os universos colidirem, a mistureba de personagens aponta para um risco precisamente porque Gen V fez um ótimo trabalho em se sustentar em si mesma. Pelo menos até aqui, o grande diferencial de Gen V foi criar o seu próprio discurso. As questões não estão distantes das de The Boys, mas aqui são sustentadas em uma dúvida muito mais hesitante, de quem ainda não passou anos quebrando a cara. 

Nota do Crítico
Ótimo