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Séries e TV

Crítica

Glow - 3ª temporada

Terceira temporada de Glow se aprofunda nos personagens, mas se distancia da própria proposta

14.08.2019, às 23H04.

Era o ano de 1986 e os EUA inteiros estavam em frente à TV para acompanhar a primeira viagem de um civil americano até o espaço. Era a missão especial Challenger, com sua partida transmitida ao vivo, sob a orgulhosa tutela da presidência. Alguns segundos depois do lançamento o ônibus espacial explodiu e espalhou pedaços por vários pontos do oceano. Foi um choque para a nação e um emurro na reputação da NASA. Entre as grandes perdas estava aquela que mais pesava: Christa McAuliffe era uma professora primária que daria aulas do espaço pela primeira vez. Aquela explosão matava, também, a iniciativa de unir o mundo cotidiano a essa tão elusiva experiência de ver o mundo lá do alto.

Glow começa sua terceira temporada justamente nesse ponto, com Ruth (Alison Brie) e Debbie (Betty Gilpin) acompanhando a transmissão e comentando-a como se fossem as personagens que vivem no ringue. Forçando um pouco, é possível traçar um paralelo metafórico para as pretensões dessa temporada, enfim. Vivendo uma espécie de estabilidade pela primeira vez, o grupo parece ascender mais e mais conforme os episódios vão passando. Tudo isso para – mais adiante – sermos conduzidos até a inevitável percepção de que nem todo mundo quer "ir para o espaço" e que algumas delas – as que querem – podem estar correndo o risco de nunca chegarem lá, acabando por explodir nos primeiros segundos.

Ao mesmo tempo, depois de duas temporadas com narrativas muito específicas, Glow surge com seu argumento central bastante enfraquecido. O curioso é que, geralmente, segundas temporadas são aquelas que erram muito ao expandirem demais o próprio universo, entregando a dramaturgia a um emaranhado confuso de acontecimentos que sempre prejudicam a reputação de qualquer produção. Glow foi na direção oposta, com um segundo ano bastante coeso e uma terceira temporada com tantos retalhos costurados, que muitas vezes não parecia que aquela era uma série sobre luta livre. Quase irmã de Orange is the New Black na sua dedicação a construir os arcos coadjuvantes, Glow não chega a errar completamente ao dar um tempo do ringue, embora esse tempo não precisasse ser tão longo assim.

Las Vegas

Era uma temporada bastante promissora, com uma chegada para uma curta residência em Las Vegas, num grande hotel com um cassino e muitas oportunidades de ganhos. Basicamente, os roteiros não tinham um desenvolvimento central e coletivo que pudesse segurar tantos episódios. Quase tudo que se podia abordar nessas narrativas centrais estava esgotado a partir do momento em que um pagamento e uma residência estavam garantidos. Não dava mais para focar na constante insegurança profisisonal do grupo, em seu medo de não poderem mais se apresentar. Era natural, então, que os roteiristas preferissem seguir em outra direção, aproveitando que as meninas tinham salário e focando em ampliar suas trajetórias. As criadoras tomaram a decisão de fazer o Glow crescer, então, fomos nós conhecer mais a fundo alguns desses elementos secundários.

O hotel era de propriedade de Sandy Deveraux, vivida por uma Geena Davis cada vez mais entregue às oportunidades da TV, mas nunca se comprometendo a mais do que uma temporada. A dona do hotel tem um desenvolvimento restrito, com apenas uma grande cena, mas Geena tem carisma e é lamentável que sua passagem por qualquer série seja tão previsível. Ela é responsável por costurar a trama das apresentações do Glow no hotel, mas como o investimento no coletivo é tão pequeno, os roteiros precisam ficar encontrando formas alternativas de inseri-la nos episódios. Por causa disso, ela fica patinando entre o hotel, o grupo, Bash (Chris Lowell) e vai parar até na boate onde uma ótima drag queen é vivida por Kevin Cahoon, numa das boas decisões criativas desse ano.

Geena, contudo, não está sozinha. Assim como acontece com Orange, os episódio vão focando nas lutadoras eventualmente, criando boas narrativas como no caso de Sheila (Gayle Rankin) e não tão boas assim como no caso de Cherry (Sydelle Noel). Esse senso de irregularidade se reforça conforme os episódios vão se apresentando e as lutas e os personagens ficando esquecidos. Juntas elas tem muita força, mas nem todas as personagens seguram storylines sozinhas. O episódio "Freaky Tuesday", por exemplo, é o melhor da temporada justamente porque é aquele que mais reforça esse espírito coletivo estabelecido nas temporadas anteriores. E é ambíguo, porque sabemos que todo grupo de personagens precisa evoluir, precisa tentar outras ramificações, mas os roteiros não podem perder a proposta da série de vista.

Debbie e Ruth tiveram desenvolvimentos coerentes com suas histórias e com o conceito em que se baseia a série. Elas duas são polos separados que se encontram no mesmo objetivo: elas querem se afirmar. Debbie tem um desenvolvimento ligeiramente mais aprofundado que o de Ruth e sua visão de mercado a proporciona uma busca pela afirmação de uma maneira mais direta, como uma afronta a todos os homens que duvidaram de quem ela pudesse ser. Ruth tem uma visão mais artística do mundo e vai persegui-la com a mesma gana de provar que todos estão desperdiçando-a. Já Sam (Marc Maron) teve sua história elevada até onde sempre torcemos para que ele estivesse. Porém, isso foi feito de uma forma que o afastou totalmente da gênese do personagem. Glow realmente consegue nos desafiar nesse sentido, porque queremos que certas coisas aconteçam, mas também queremos manter todo mundo junto. Isso, de certa forma, nos leva atá a triste realidade por trás da produção: lutas como a de Glow estão fadadas a terem um fim, e até que isso aconteça, o que podemos esperar?

O último episódio é esperto, consegue descobrir uma saída para mais uma temporada, mas a melancolia é um resultado futuro quase inevitável. Glow não teve uma terceira temporada tão bem sucedida esse ano, mas essa missão não chegou realmente a explodir. Ainda podemos chegar ao espaço na temporada que vem.

Nota do Crítico
Bom