Tal qual uma redação do ENEM, o retorno de Gossip Girl poderia ser muito bem justificado graças ao “advento da internet e das redes sociais”. E é justamente nisso que a produção apoia o seu retorno: após uma verdadeira revolução tecnológica e comportamental causada por curtidas e publicações em espaços da internet, a garota do blog encontrou na HBO Max — e também no Instagram, onde a produção se aproveita de uma divulgação transmídia e complementar à história — um lugar para pousar mais uma vez.
Ambientada no mesmo colégio da predecessora, mas com um corpo discente mais étnico e cultural, e professores com revelância ímpar para a trama, o revival concentra sua história em duas meia-irmãs, Julien (Jordan Alexander) e Zoya (Whitney Peak), seus conflitos entre si e com os que as cercam. Chegando à escola nova graças a um plano da sua meia-irmã, Zoya instantaneamente mexe com o coração do pobre-menino-milionário Obie (Eli Brown), o atual namorado de Julien. Sentiram o drama?
Inicialmente, este relacionamento está no cerne dos novos episódios — replicando as idas e vindas entre Serena (Blake Lively) e Blair (Leighton Meester), vistas em tempos de outrora. O problema é que a dinâmica entre as meia-irmãs fica rapidamente cansativa, pelo fato de sabermos que a relação entre as duas nunca fora estabelecida. Por mais que Serena e Blair trocassem de lado a cada meia dúzia de episódios, por exemplo, o público acompanhava, torcia e se deliciava por saber quão profundo eram os laços entre as patricinhas.
Aqui não há nada que monta uma ideia que Zoya e Julien precisem uma da outra, mesmo com ambas tendo dividido a mesma mãe, que morreu tragicamente durante o nascimento da aluna recém-chegada. Essa lacuna na relação entre as protagonistas faz menção a outro problema claro da versão para o streaming da novela teen: a falta de uma identidade estabelecida. E é até irônico que uma série teen tenha como o principal problema a falta de uma identidade estabelecida — indubitavelmente, um dos principais dilemas da geração que se propõe a retratar.
A nova Gossip Girl parece não saber bem o que fazer. Em um primeiro momento, alguns episódios jogam discussões sobre raça, sexualidade, abuso sexual, os movimentos #MeToo e #BlackLivesMatter, e privilégio, mas sem se aprofundar em nenhum dos tópicos. Existe uma trama durante a segunda parte da primeira temporada, exibida apenas em novembro deste ano, que finge querer explorar as repercussões de um "Boa Noite, Cinderela". Mas além de não servir para muita coisa, a trama fica no “chove, mas não molha”, sem trazer consequências reais para a história. Nesse aspecto, a produção joga fora a oportunidade de se ter uma conversa séria sobre questões intrinsecamente ligadas à nova geração de jovens.
Tirando algumas pieguices e problemas estruturais, a graça do novo ano fica por conta dos coadjuvantes. De um lado, há o trisal formado pelo bissexual Aki (Evan Mock), o pansexual Max (Thomas Doherty) e a perspicaz Audrey (Emily Alyn Lind). Mesmo com alguns clichês no meio do caminho, são três figuras divertidas e com uma química maravilhosa. Não à toa, o trio caiu nas graças do público e são os personagens mais seguidos da série no Instagram. Já do outro lado da diversão, estão as meninas malvadas Monet (Savannah Lee Smith) e Luna La (Zión Moreno), ambas donas das melhores tiradas (“Ele é o Rob Patt da sua Suki sei-lá-o-que” já é um clássico instantâneo) — e dos melhores figurinos.
O retorno da série também contou com a volta de algumas figuras conhecidas da primeira linhagem da produção e referências ao seu universo — quase um Universo Cinematográfico Gossip Girl. Isso pode ter feito a alegria dos fãs antigos, mas certamente deixou um nó nos marinheiros de primeira-viagem do título. Arrematando o primeiro ano, os roteiristas colocaram em prática uma espécie de reboot na dinâmica entre os alunos do colégio de elite e a blogueira fofoqueira, prometendo remexer a vida dos milionários para a próxima temporada.
Embora muito simpática e divertida, Gossip Girl "2.0" teria um boletim com notas mais altas caso aprofundasse suas discussões sérias, ou as abandonasse de vez para abraçar o lado mais exagerado da vida dos ricos e jovens de Nova York. Se continuar insistindo nesse meio-termo, é capaz de repetir de ano.