Há quase 15 anos, a série Gossip Girl conseguiu estourar a bolha teen e conquistar um espaço próprio na cultura pop. O revival chega com o peso de honrar essa história de impacto cultural, agora com a marca da HBO Max. Embora o piloto não tenha causado lá uma impressão brilhante, os cinco episódios subsequentes da meia temporada causaram um efeito inesperado, a proeza de ser mais inventivos e ambiciosos que a versão original.
A Gossip Girl de 2021 é a série de que precisamos. No caos pandêmico e no drama político brasileiro, é uma hora semanal em que desligamos o nosso cérebro e simplesmente apreciamos o drama dos jovens ricos e privilegiados que não medem consequências. E inesperadamente, o reboot conta com uma dose de “otimismo valente”. Não é o tipo de sentimento daquele que Ted Lasso nos gera, por exemplo, mas é o tipo de positivismo que acerta o nosso coração quando encontramos o cartão de crédito 5 minutos antes de ligarmos para a companhia e solicitarmos o seu cancelamento, ou quando aquela pessoa especial finalmente retorna uma mensagem.
Não são momentos grandiosos que nos fazem crer novamente na humanidade, mas que nos geram alívio momentâneo e que não deixam de ser válidos. Justamente porque estamos falando de Gossip Girl, série cuja principal missão é de explorar a futilidade de um universo e nos premiar com o escapismo necessário em determinados momentos. A nova dinâmica também foge dos arcos comuns vistos na predecessora, na qual tudo girava basicamente em torno de Blair (Leighton Meester) ou Serena (Blake Lively). Temos agora um panorama de personagens novos, que faz de seu elenco multicultural e etnicamente diverso a principal atração.
Claro que não seria uma série teen se os tópicos como conflitos, dramas, fofocas, “quem ficou com quem”, intrigas não fossem abordadas. Mas até esses enredos ficaram mais interessantes, pois não há mais um ar de condescendência embutida de tentar passar uma moral da história na conclusão de cada episódio. Pelo menos no piloto, parecia que o reboot estava tentando explorar a geração “textão de Facebook”; felizmente, isso foi logo abandonado, dando mais espaço para a maldade das vilãs do colégio, que, nesta encarnação, são Julien (Jordan Alexander), Luna (Zión Moreno) e Monet (Savannah Lee Smith), atriz que, convenhamos, é uma das graças da produção.
Outra mudança significativa que a dinâmica de mosaico permitiu é dar foco aos professores, que são igualmente fúteis como os estudantes do colégio. De certa forma, a sorte é nossa, que ganhamos um panorama repleto de personagens divertidos que parecem ter saído do Twitter — digo isso como um elogio, claro. Em partes, a nova versão quase brinca de cinema de Robert Altman dando um espaço de quase protagonismo para todo o elenco. Falando em grandes diretores, aqui vai uma curiosidade divertida: um dos destaques da “meia temporada” é o episódio quatro, dirigido por Jennifer Lynch, intitulado "Fire Walks with Z". Jennifer é filha de David Lynch, e esse nome é uma referência óbvia ao filme Fire Walk with Me (em português, Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer), do seu pai.
Brincadeiras com referências pop se intensificam na nova versão (“- O que será que eu fiz de tão errado para merecer isso?”, “- Você apareceu no vídeo de ‘Imagine’”, já é um clássico instantâneo), aproveitando o apetite da geração Z para consumi-las em segundos. Tem um aspecto da série que poderia tornar Gossip Girl ainda mais provocante — coisa que somente a primeira temporada da produção original fez —, a de integrar mais críticas culturais ao universo da série em si, ao promover mais os conflitos geracionais entre os personagens, estimular a dinâmica entre os professores (parte maior na nova versão) e os alunos, ou tentar cutucar a alta sociedade no maior estilo Brett Easton Ellis.
O problema é que a nova versão ainda não tem uma identidade totalmente estabelecida que consiga conectar isso a uma personagem sem soar forçado. Ou melhor, até tem uma personagem adequada, que seria Zoya (Whitney Peak), o “peixe fora d’água” da vez, a única do grupo jovem com consciência de classe. Mas ainda é cedo demais para explorar esse território, e a nova versão só está começando. Ainda há umas incoerências de roteiro, alguns membros do elenco que claramente precisam dar uma passadinha na escola de atores do bairro, mas missão cumprida.
De qualquer forma, em apenas seis episódios, o reboot conseguiu justificar o recorde de audiência da HBO Max, a renovação instantânea e a explosão de comentários nas redes sociais. Em novembro, a segunda leva de episódios será lançada e com certeza será muito bem-vinda.