No início desse ano a protagonista absoluta de Grey’s Anatomy deu uma entrevista revelando sua jornada em busca da valorização financeira do próprio trabalho. Ellen Pompeo contou que apenas depois da saída de Patrick Dempsey do elenco ela começou a conseguir tornar-se a força maior da série, uma vez que o show leva o nome de sua personagem. Ironicamente, as últimas palavras de Christina para ela acabam soando ainda mais emblemáticas. Meredith (Ellen) é que era o verdadeiro sol.
ABC/Divulgação
Antes, até o sexto ou sétimo ano, Meredith não era uma personagem adorada pelo público. O roteiro investia pesado no lado sombrio de sua personalidade e isso era fascinante do ponto de vista dramatúrgico, embora não ajudasse a personagem a ser querida. Demorou, mas aconteceu, e o espectador começou a entender que aquela era uma mulher como poucas na teledramaturgia e que sua trajetória obscura só tornava seus méritos ainda mais comoventes.
Desde então, o show passou a ser sustentado e reerguido, consecutivamente, pelo amor que os fãs tem pela Dra. Grey. Com o tempo – e provavelmente para dar menos horas de trabalho à atriz – os roteiros passaram a ser menos ansiosos com relação a ela e isso tornou seu caminho pelas temporadas muito enxuto e correto. Assim, enquanto os coadjuvantes sofrem com os naturais desgastes, ela segue intocável como alguém por quem as pessoas continuam se apaixonando ano após ano.
Anatomy of Goodbyes
Colocar as coisas por essa perspectiva é importante, porque a décima quarta temporada de Grey’s tinha duas grandes missões: oferecer novas motivações para quem está ali há muitos anos e resolver os destinos de quem iria se despedir. A parte das despedidas era perigosa; toda vez que algum anúncio de saída de atores acontece, todos já ficam esperando a catástrofe, e por gostar de defender essa mitologia, a série acaba cometendo deslizes desnecessários. Foi o que aconteceu.
April (Sarah Drew) foi a escolhida para representar o exagero dramático. A personagem se despediu do show depois de passar muito tempo tentando convencer o público de sua importância. De fato, ela nunca funcionou muito bem. Os roteiristas investiram numa storyline sobre uma crise de fé que soou extremamente inverossímil. Mas, Grey’s tem essa mania de deixar que os personagens internalizem problemas sem falar sobre eles, apenas para que façam besteiras, cometam exageros que seriam evitados com um simples diálogo. No penúltimo episódio da temporada, desbravaram o drama inútil, bombeado, chapado, de uma “morte” que não se concretiza e repete (até nas canções) um plot que já tinha sido vivido pela protagonista antes. É claro que foi proposital, mas o evento não revelou nenhuma função dramática válida, sobretudo porque a personagem não morreu e na semana seguinte, aquela experiência limítrofe não se refletiu em nada relevante para a série.
Já Arizona (Jessica Capshaw) teve mais sorte e passou pela temporada amarrando suas relações pessoais para que isso fosse usado positivamente na finale. Arizona passou por tropeços que não foram culpa dela. Ao ter sido escolhida para estar no famigerado acidente de avião, a personagem foi obrigada a passar por uma exploração do trauma que resvalou em tudo. A relação com Callie foi destruída, ela perdeu o humor e a simpatia que eram típicos do papel (Arizona começou a aparecer andando de patins, não podemos esquecer) e penou muito para conseguir recuperar o carinho do espectador. Foi justo que seu final tenha sido decidido em torno de Callie e Sofia, já que esse sempre foi seu melhor lado.
Finale’s Anatomy
Depois de um começo morno – e que foi bastante melhorado depois da exibição do episódio 300 – a série tomou ótimas decisões dramatúrgicas que a mantiveram dentro de seu contexto sócio-político. Grey’s, depois da saída de Patrick (coincidentemente), abraçou a discussão de gênero e o empoderamento feminino com notoriedade. O concurso entre pesquisas promovidas no hospital deu um ótimo gás para a temporada e convergiu numa boa menção aos casos de assédio que tomaram conta dos noticiários. O plot do relacionamento abusivo de Jo (Camilla Luddington) também foi usado nos tons certos (mesmo dado às resoluções convenientes).
Outra coisa que a temporada fez bem foi usar personagens transitórios. Depois de tantos anos no ar, a série pode se dar ao luxo de fazer isso e sempre que traz alguém que não víamos a um tempo, acalenta nosso anseio de ainda continuar vendo Grey’s Anatomy como ela fora um dia. Isso se reflete na forma como os novos internos estão sendo tratados também. Manter todos eles no campo da comédia foi um bom começo. Uma interna apaixonada pelo Jackson, uma apaixonada pela Meredith, um atrapalhado... As interferências textuais que vinham deles às vezes ajudavam muito a torná-los parte daquele universo.
Assim, depois de errar feio no penúltimo episódio, a temporada terminou otimista e solar, com um enredo bonitinho que reuniu os núcleos de uma forma inesperada e celebrou as relações entre aqueles personagens que acompanhamos durante tanto tempo. Os assentamentos necessários foram feitos (tivemos até Sara Ramirez na trilha) e tudo está preparado para uma décima quinta temporada que já foi anunciada em verso e prosa. O mais impressionante é que depois de um penúltimo episódio que consegue acordar em você tudo de cínico que pode surgir da descrença, eles ainda conseguem recuperar seu coração já no episódio seguinte. Grey’s Anatomy está no ar há muitos anos, parece que ainda vai ficar; e descobre novas maneiras de nos prender ao lado dela incondicionalmente. Isso é para poucos senhores, para poucos.