Séries e TV

Crítica

Grey's Anatomy - 16ª temporada

Adiantamento do final da temporada foi o menor dos problemas desse desorganizado e equivocado ano de Grey's Anatomy.

12.04.2020, às 11H27.
Atualizada em 12.04.2020, ÀS 11H47

Um dos maiores problemas das séries que tem muitos anos no ar é a ameaça das repetições, o cansaço de plots que acabam correndo atrás do próprio rabo. Inevitavelmente, nenhuma produção com mais de 8 temporadas consegue o feito de surpreender positivamente na maior parte do tempo. Grey's Anatomy, o drama médico mais longo da história, foi perdendo seu impacto midiático regular lá por volta da temporada 11, quando inclusive o número de membros do elenco original já havia diminuído consideralmente. De lá para cá, a série conseguiu lampejos de relevância, quando produzia episódios especiais ou anunciava mais uma partida.

Do ponto de vista técnico nunca houve grandes erros sendo cometidos. A série dá muitos lucros e é filmada praticamente num cenário só. Uma vez encontrado o ritmo da narrativa, da edição, da direção, tudo se tornou industrial. A mecânica das emoções acabou perdendo espaço para a simples mecânica. Eventualmente, há um ou outro momento inspirado, produzido com calma e atenção. Mas, no maior número dos episódios tudo só é regular, confortável, até que mais alguma ausência seja necessária, o que sempre gera muito drama e – em alguns casos – tragédias. A série usa isso como um impulso e uma vez dado, esse impulso esquenta as coisas para algumas semanas a seguir. E o ciclo é esse, ano após ano.

Nesse tempo todo alguns personagens tiveram maus momentos, algumas decisões foram sempre questionadas, mas nunca tivemos um desvio de coerência tão grande como agora. Grey's Anatomy tem uma metologia automática na hora de lidar com eles também, dando-lhes doenças, casamentos ou concepções quando as alternativas menos óbvias se esgotam. Os roteiros também adquiriram alguns vícios, como a mania de fazer com que conflitos sejam ignorados ou empurrados com a barriga, quando poderiam ter sido resolvidos com uma simples conversa. Os médicos geralmente preferem fingir que nada aconteceu, fugindo para cirurgias ou até mesmo para fora da cidade.

Essa métrica dramatúrgica, de certa forma, salvava a série de exageros incontornáveis. Mesmo casais disfuncionais como Meredith (Ellen Pompeo) e DeLuca (Giacomo Gianniotti) estavam dentro de um limite perdoável, já que os roteiristas quase sempre conseguem reverter nossas impressões e nos fazer torcer depois de alguma resistência (com exceção de Amelia e Owen, é claro). Exatamente por tudo isso é que certas decisões tomadas nessa temporada foram tão chocantes. Algumas delas quase atravessam o limite e uma delas, em especial, tornou esse ano um ano decisivo para a reputação da produção. Grey's Anatomy perdeu boas doses de respeito.

Anatomia Fragmentada

As coisas até que começaram bem... A primeira parte da temporada, mais ou menos até o episódio 12, estava planejanada com certa segurança. A presença de DeLuca na vida de Meredith sempre pareceu deslocada, mas as atitudes dela para tentar melhorar o sistema de saúde fazem parte de pautas políticas muito importantes. Meredith é a grande força da série e mesmo aparecendo menos em cena, está sempre colocada dentro de uma narrativa interessante, relevante. Os roteiristas, enfim, tiveram que dar o braço a torcer e admitir a inadequação do casal formado por ela e DeLuca. Sabiamente, introduziram Hayes (Richard Flood), que também é viúvo, com filhos, maduro, atraente e que foi chegando bem aos poucos. Se há uma decisão bem tomada nessa temporada é a de não ter apressado a aproximação dos dois.

Contudo, é claro que esses roteiros não iam tirar DeLuca dessa posição sem colocar o personagem no posto super dramático onde são colocados todos aqueles que são promovidos ao elenco fixo. Sem nunca ter aparecido nenhum sinal, nenhum aviso, DeLuca apresenta um comportamento errático, provavelmente patológico, que tira do personagem toda a leveza que o caracterizava. É mais fácil aceitarmos o fim de uma relação quando uma das partes vira um babaca. Essa é outro dos vícios de Grey's. Personalidades solares, preciosas para manter o equilíbrio, foram arruinadas por conta desse suposto “aprofundamento”. Foi assim com Callie (Sara Ramirez) e Arizona (Jessica Capshaw), por exemplo.

DeLuca não está sozinho nessa. Owen (Kevin McKidd) sempre foi um problema que os roteiristas nunca conseguiram resolver. Ele não funcionou com Christina (Sandra Oh), não funcionou com Amelia (Caterina Scorsone) e como também não funcionou com Teddy (Kim Raver), foi mais fácil tirar da cartola para ela uma bissexualidade e um mau-caratismo que o poupassem – como sempre – de um término que aumentasse a antipatia pelo personagem. Isso sem falar em Catherine (Debbie Allen) e Richard Webber (James Pickens Jr.), que vem numa dinâmica destrutiva há muito tempo, fato que pode ter estimulado os roteiristas a criarem o enredo da suposta demência dele, numa tentativa de haver um impulso forte o suficiente para frear o egoísmo dela.

Richard, inclusive, foi um dos grandes prejudicados pela saída de Karev (Justin Chambers). Nessa primeira metade do ano, a história do hospital de baixo orçamento para onde Karev foi após sua demissão, também mostrou grande relevância. Grey's sempre foi um mundo paralelo de perfeição médica e aquele hospital oferecia uma perspectiva que seria muito rica para a produção. Entretanto, Justin quis sair e além disso resultar num dos episódios mais estapafúrdios da história da televisão (que já analisamos aqui), tirou de Richard e de vários outros médicos, a chance de experimentar essa realidade. A dinâmica de Webber e Karev revelou-se carismática, divertida, substancial.

O saldo final é alarmante. Jackson (Jesse Williams) ficou envolvido num romance com o qual ninguém se importava, Maggie (Kelly McCreary) se livrou de Jackson e ficou à deriva, Bailey (Chandra Wilson) há muito tempo é só um coringa e a saída de Karev só não atingiu Jo (Camila Luddington) irremediavelmente porque estão preferindo não dar muita atenção ao drama dela. Ao menos Amelia se recuperou um pouco e o casal com Lincoln (Chris Carmack) ainda não começou a se problematizar além da conta. E por fim, dá até medo de pedir mais espaço para os internos e acabar vendo-os serem lançados no poço de exageros que já faz parte da rotina da série.

O final antecipado por conta da pandemia, no episódio 21 (quando o habitual são 24 ou 25 episódios), não afetou negativamente os acontecimentos. O episódio 21 teve resoluções, nascimentos, problemas sendo resolvidos e até algumas traições. Ficou realmente parecendo que era um final de temporada regular e se não fosse pela última cena dando a Teddy o holofote final, poderia mesmo ser. O adiamento do retorno das filmagens deve ser inevitável; e é também uma chance de rever uma série de coisas e preparar a produção para um retorno digno de seu legado. Por hora, a anatomia de Grey parece desajeitada, desarrumada, perdendo os pontos de apoio, precisando de um tratamento emergencial que envolva cirurgias textuais drásticas e uma manutenção constante do próprio organismo.

Nota do Crítico
Regular