Já se tornou marca registrada do MCU perder a mão na reta final das suas séries. Seja por confiar excessivamente no discurso e na expectativa do que virá na sequência, seja por subtrair o senso de urgência com piadas ou explicações descabidas, a conclusão dessas histórias nunca honrou os bons começos. Nem mesmo nos seus maiores êxitos, como Loki e a “divisiva”, mas consistente She-Hulk, a Marvel escapou do que hoje já parece ser uma sina.
Portanto, não dá para dizer que os espectadores esperavam um último episódio impecável para Invasão Secreta. Na verdade, depois de constatado o esgotamento da trama ali pelo quarto episódio, talvez seja mais preciso dizer que se contava com um simples ponto final, o suficiente para justificar o investimento de pouco mais de cinco horas naquela trama. No entanto, Invasão Secreta se provou um ponto fora da curva, e no pior sentido possível. Mais grave do que seu atestado prematuro de inconstância, o seriado culmina em um desfecho tão desleixado que não ofende só o público, mas também Nick Fury (Samuel L. Jackson), personagem que a Casa das Ideias pretendia desenvolver para além da coadjuvação.
É verdade que a série não teve os alicerces mais sólidos. Invasão Secreta precisou transformar em exílio autoimposto o que foi originalmente apresentado, em Homem-Aranha: Longe de Casa, como uma missão tão tranquila para Fury que mais pareciam férias no espaço. Os Skrulls, até então tidos como refugiados, tiveram uma escalada de violência inesperada, necessária para o evento das HQs que seria adaptado. Quer dizer, a produção tinha alguns saltos drásticos para lidar ao longo da temporada, mas que, com uma lacuna de 30 anos à disposição, parecia um trabalho bastante viável. De novo, não era um cenário perfeito, mas que se a série ao menos aludisse a essas questões de forma crível, bastaria para manter algum senso de uniformidade no universo compartilhado.
Contudo, em vez de preencher os espaços vazios, Invasão Secreta prefere recorrer à repetição. Todos os personagens, sem exceção, cravam que o antigo diretor da S.H.I.E.L.D. não era mais o mesmo desde o Blip. Talvez por um sentimento de impotência, talvez por saber que os Vingadores, seu plano infalível de proteção da humanidade, falhou contra Thanos (Josh Brolin) — mas certamente talvez, porque o peso da derrota não é representado em tela. Na realidade, o Fury “mudado” que a série de TV apresenta é mais um fruto de má escrita, variando como um pêndulo entre o estrategista sagaz e o homem vulnerável e despreparado, escolhendo a versão do personagem conforme a conveniência da situação. Repito: não é que a Marvel explora as áreas cinzentas do personagem, ou desconstrói o ícone mostrando sua humanidade. No fundo, Fury sequer se mostra uma figura ambígua. Sem querer querendo, termina um hipócrita.
Da mesma forma, é tido como um fato que o herói não fez muito para ajudar os Skrulls, apenas os usou para subir na hierarquia da S.H.I.E.L.D. — mas isso não é efetivamente trabalhado. Invasão Secreta, no máximo, menciona situações do passado em diálogos expositivos, como se isso fosse dar uma sustentação decente para justificar um cenário em que o apocalipse nuclear é o plano do seu vilão. A verdade é que a série não sabe responder às suas próprias perguntas. Como justificaria a inação de Fury por três décadas, e ainda o pintaria como um herói? Como daria sentido à fidelidade de Talos (Ben Mendelsohn) a um homem que não teve palavra? Como explicaria o que impediu que Carol Danvers (Brie Larson) encontrasse um lar para os alienígenas? Em vez de correr o risco de bagunçar o sagrado cânone, caótico já antes de qualquer sugestão de multiverso, Invasão Secreta se omite, num simbólico dar de ombros.
Ao menos, em alguma medida a série tem consciência da sua fragilidade. Sobretudo do meio da temporada em diante, quando os episódios foram menos redondinhos e fica evidente que não há mais nada a se desenvolver até o embate final, a direção tira performances cada vez mais exageradas e a tensão se constrói não pelos ganchos ou revelações, mas na base do grito. Chega a ser injusto com o elenco, que de fato tem em mãos um roteiro tão escasso para trabalhar. Além de Jackson e Mendelsohn, geralmente tão carismáticos, a produção introduziu ao MCU Olivia Colman, Kingsley Ben-Adir e Emilia Clarke, ou seja, uma lista que, com um texto inspirado, faria mais do que garantir consistência dramática. Infelizmente, nesta série, Colman é a única que caminha confortavelmente no limiar da caricatura que Invasão Secreta faz dos seus personagens. E, mesmo assim, sua personagem ganha e perde relevância num piscar de olhos.
Toda essa inaptidão parecia impensável a princípio. Na estreia, Invasão Secreta adaptava elementos clássicos das histórias de espionagem e adicionava um clima interessante de Guerra Fria ao MCU. Já era uma trama carregada de interrogações, mas que à época pareciam intencionais e sob controle, para brincar com a percepção do público sobre o que é fato e o que é mentira, exigindo atenção nos detalhes. As piadas, tão clássicas na Marvel, eram trocadas por uma acidez, e a ação se fazia mais presente. Entretanto, agora é claro que o fridging de Maria Hill (Cobie Smulders) foi o primeiro sinal vermelho, uma pista de que essa seria uma história que preferiria tomar as saídas mais fáceis e menos criativas. Ainda assim, ninguém poderia prever que a série daria as costas até para os elementos que a tornaram atraentes.
Apesar dos pesares, novamente a promessa se sobrepõe ao esgotamento. Dizem que o clima de ódio generalizado que se criou graças ao plano estapafúrdio de Fury é o ambiente ideal para introduzir os X-Men. Dizem também que a série serve como um gancho para Armor Wars e para As Marvels, que à sua maneira continuarão o que foi começado aqui. Por enquanto, é tudo especulação, uma tentativa de dar sentido a uma história tão sem propósito. O que é fato mesmo é que a série não cumpre o mínimo. Não dá o devido protagonismo ao herói, não acrescenta nuance ao conflito entre Krees e Skrulls e, no fim das contas, sequer diverte.