“Me lembre o porquê de eu estar fazendo isso mesmo?”, indaga Eve Polastri (Sandra Oh) em dado momento, após uma tentativa frustrada de se reaproximar da assassina/interesse amoroso Villanelle (Jodie Comer). O sentimento acaba sendo bastante compreensível para o espectador de Killing Eve, uma série que começou excelente, mas que se arrastou por muito mais do que deveria até chegar agora em sua conclusão, na quarta temporada.
Assim como a protagonista, o espectador pode se perguntar o que ainda sobra quando a trama já não convence mais, e para ambos a resposta é a mesma: a paixão por esses personagens. A série, criada por Phoebe Waller-Bridge (Fleabag) com base nos romances de Luke Jennings, exala um charme gigantesco que transita entre a violência e o luxo de um thriller de espionagem, e o humor e a emoção de uma comédia romântica.
Quando o programa começou lá em 2018, sua premissa era mostrar como Eve Polastri, uma agente do serviço de segurança britânico, se vê ficando lentamente obcecada por seu alvo quando é colocada para investigar a serial killer Villanelle. O ano um foi de um sucesso gigantesco e rendeu prêmios para as protagonistas Sandra Oh e Jodie Comer. Assim, a BBC America decidiu dar continuidade ao projeto, com a questionável decisão de expandir uma mitologia que não era das mais interessantes.
A quarta temporada é a culminação dessas escolhas. A força do seriado está na dinâmica entre Eve e Villanelle, mas as personagens estão imersas em conflitos supostamente maiores que as duas. Separadas, cada uma delas investiga e atua contra Os Doze, uma poderosa organização sombria de espiões com mão em eventos globais e um exército de assassinos à disposição. Os últimos anos foram dedicados às protagonistas entenderem a estrutura e o papel desse grupo misterioso, mas nenhuma dessas descobertas têm qualquer impacto parecido com a explosiva relação entre ambas.
Neste aspecto, a temporada final dá a volta por cima ao resgatar um pouco da atração fatal das protagonistas. Eve, que começou como uma agente bastante quadradona, agora tem métodos e uma certa frieza quase parecidas com a da amada. Da mesma forma, Villanelle se vê mais sensível e emotiva ao ponto da confusão, como se nem tivesse percebido que baixou a guarda para Eve. As trocas, as pequenas interações, o jogo de gato-e-rato: tudo isso teve um impacto pessoal para essas personagens, que agora refletem como foram mudadas uma pela outra.
O frustrante de acompanhar Killing Eve é a forma que a série parece se recusar a aceitar que o programa é sobre as duas, e passa a buscar expansões artificiais em seus cantos mais remotos. Várias de suas subtramas não empolgam, mas são carregadas nas costas pela força de seu excelente elenco.
No ano mais recente, há bastante foco no treinamento da assassina novata Pam (Anjana Vasan) por Konstantin (Kim Bodnia). O arco mal se conecta com todo o resto, e o único aproveitamento está na dinâmica fofa entre mestre e aprendiz. Paralelamente, o passado da espiã Carolyn (Fiona Shaw) se mostra vital para entender Os Doze, com direito a episódio de flashback que pode muito bem servir como piloto para um suposto derivado. Dentre todas as descobertas, fica apenas o lembrete da excelência de Fiona Shaw, cuja presença e humor ácido comandam a atenção do espectador. O universo da série é bem menos interessante do que a produção imagina, mas o talento gigantesco de seu elenco merece muito mais reconhecimento do que tem.
Muito do charme de Killing Eve continua presente: a trilha sonora divertida, os momentos de humor assumidamente bobos, a surpreendente crueza da violência contrastada com afiada vulnerabilidade dos personagens, os figurinos de deixar qualquer um boquiaberto. Ao mesmo tempo, o brilho dos dois primeiros anos foi se esvaziando, como em um reflexo da artificialidade da trama, e a temporada final é facilmente a que soa menos excêntrica e descolada. O estilo da série é parte fundamental de sua identidade, e o foco da produção em uma narrativa expansiva cobrou o preço em personalidade.
Uma das tendências mais complicadas da televisão moderna é não saber a hora de parar. Minisséries são renovadas, seriados ganham derivados, cancelamentos são revertidos por trocas de emissoras. Após a temporada final, Killing Eve soa como mais uma excelente produção que deixou se levar por essa onda.
Pior do que se esvaziar ao longo dos anos sem saber para onde seguir é o fato de entregar uma conclusão que soa gratuita, ao ponto de dividir o fiel grupo de fãs que ainda seguia a obra. A reta final é inteiramente marcada por viradas aparentemente aleatórias para injetar alguma emoção, e o fechamento - que podia ser bonito - é ofuscado pela necessidade em ter um último plot twist. Quando “O Fim” aparece na tela, é muito difícil não ficar com um gosto um pouco amargo de um encerramento apressado e apelativo.
Na contramão da sabedoria popular, é comum que séries de TV não tenham cada etapa e temporada minuciosamente planejada de antemão. A beleza do meio é justamente crescer por rumos inesperados, seguir para onde a trama levar, mas é de bom-tom ter um destino em mente. A sensação que a temporada final de Killing Eve deixa é de que tudo foi um belo acidente, de que não havia noção do rumo e nem do objetivo final, e todo o percurso foi tomado de formas que ignoravam as vontades dos personagens e as necessidades da trama em prol de parecer maior do que realmente era.
Nem tudo precisa ser grandioso. Ao invés de um universo de espionagem repleto de organizações misteriosas com décadas de história elusiva, tudo que a série precisava ser era um perigoso romance entre caça e caçadora - muito bem atuada, escrita e dirigida. Para essa finalidade, duas temporadas já teriam sido o bastante.