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Séries e TV

Crítica

Lucifer - 4ª temporada

Série resgatada pela Netflix mostra por que valia a pena salvar o capeta

10.05.2019, às 11H40.
Atualizada em 14.02.2020, ÀS 09H49

Escrevemos sobre um diabo que resolve crimes. Faz sentido. Não pense demais sobre isso”, diz a descrição do perfil do Twitter dos roteiristas de Lucifer. A definição não poderia ser mais exata. A série baseada nas histórias criadas por Neil Gaiman, Sam Kieth e Mike Dringenberg funciona como um desenho animado, em que qualquer tentativa de aplicação de lógica estraga a brincadeira. O segredo é aceitar e aproveitar.

Resgatada pela Netflix para uma quarta temporada depois de ser cancelada pela Fox, Lucifer mantém a estrutura procedural, mas a redução drástica no número de episódios - de 26 no terceiro ano para 10 - a obriga manter o foco. Além do caso da semana, os arcos dos personagens precisam ser desenvolvidos sem enrolação, o que dá espaço para que Tom Ellis cresça ainda mais como protagonista. Se Lucifer é uma série que merecia ser salva é por conta do carisma do ator para encarnar o tinhoso.

Não que o restante do elenco não tenha seu charme. Essa é uma história absurda povoada por pessoas incrivelmente bonitas colocadas em situações surreais e nada funcionaria se a brincadeira não fosse comprada por toda equipe. Da jovem Trixie (Scarlett Estevez) a demônio Mazikeen (Lesley-Ann Brandt), a energia cartunesca é mantida sem apelar para a paródia. Lucifer não tem medo de ser uma comédia procedural romântica, às vezes musical, sobre o céu e o inferno e essa consciência faz a diferença em todos os episódios.

Ainda que a abordagem seja leve, mesmo que a morte seja uma constante narrativa, o quarto ano aproveita para investir em temas relevantes, usando inclusive a ingenuidade de alguns de seus personagens. O anjo Amenadiel (D.B. Woodside), que nunca precisou pensar em preconceito, é confrontado com a violência policial e as diferenças sociais entre brancos e negros nos EUA. A recém-chegada Eve (Inbar Lavi) está lá para, no papel da “primeira mulher”, questionar o seu destino como esposa e pecadora. O arco da personagem, porém, esbarra no formato da série, fazendo com que a sua Eva assuma todos os clichês femininos, do par romântico à ex-namorada louca, sem ter espaço para subverter esses papéis além de algumas linhas de diálogo.

Do lado romântico, a relação entre Chloe Decker (Lauren German) e Lucifer continua a ser o centro da história, mas sofre um pouco entre idas e vindas que soam mais como enrolação. A série parece não saber o que fazer com a relação dos dois, ao mesmo tempo em que precisa mantê-la. Transformar amizade em romance adicionou um fator de complicação que prejudica principalmente Decker. Enquanto o belzebu continua aprendendo sobre certo e errado depois de ter sua verdadeira identidade revelada para a sua amada, a jornada de descoberta da detetive sobre anjos e demônios é só chatinha. Se a ingenuidade de Lucifer sobre a vida terrena e suas relações rende ótimos momentos - como quando ele se transforma em um verdadeiro machão - a sobriedade de Decker é usada apenas como contraste para todas as loucuras ao seu redor, sem ser de fato desafiada.

Porém, como aconselham os roteiristas, é melhor não pensar muito sobre isso. Lucifer diverte ao assumir seus exageros como recurso narrativo, mas tem dificuldades para ir além do prazer momentâneo. Ao levar seu formato da TV aberta para o streaming essa limitação se torna mais evidente, sendo contornada graças ao poder de persuasão do coisa ruim e seus amigos. Esse é um caso em que os personagens são maiores que a trama em que habitam, apesar da produção ter tido o cuidado de fechar um ciclo no seu último episódio para não correr o risco de repetir o erro da terceira temporada, quando deixou um gancho que poderia ter ficado sem conclusão. No fim das contas não faz muita diferença. Se essa quarta temporada prova alguma coisa é que esse capeta camarada não precisa de motivo para voltar. É só chegar que será bem-vindo, sem questionamentos.

Nota do Crítico
Bom