Por mais recorrentes que sejam os flashbacks em Lupin, o passado de Assane (Omar Sy) nunca é verdadeiramente preenchido. Na realidade, depois de duas temporadas, a sensação predominante é que quanto mais se acompanha o que aconteceu entre os anos da escola e sua decisão de vingar seu pai, mais sua vida parece repleta de lacunas. A essa altura, é evidente que o vácuo é proposital: explicar apenas o suficiente é um método conveniente, mas efetivo de deixar brechas para explorar o senso de justiça do herói, seu histórico de roubos e, claro, garantir a reviravolta da vez. É repetitivo, mas, se combinado com um adversário intrigante e encaminhamentos surpreendentes, não há mal algum. Existe valor também no formulaico, e a Parte 3 da adaptação moderna das histórias de Arsène Lupiné prova disso.
Como nas temporadas anteriores, Assane está em uma encruzilhada: ou continua sozinho, levando uma vida de esquemas elaborados e luxos ou se sacrifica e, quem sabe assim, reconquista a confiança de Claire (Ludivine Sagnier) e Raoul (Etan Simon). Trata-se de uma escolha difícil, mesmo para alguém tão movido pelo coração, sobretudo porque agora o ladrão é uma figura bastante pública. Quer dizer, se quiser encontrar uma alternativa às duas opções, ele precisa enganar não Guedira (Soufiane Guerrab), mas toda a França, que já sabe seu nome, seu rosto e sua história — ou seja, seus disfarces tradicionais podem não ser suficientes para sair dessa.
Já nessa simples premissa é possível constatar como o criador e showrunner George Kay não tem interesse em reinventar a série a cada temporada, mas sim repeti-la — idealmente, de forma sutil, embora nem sempre. A repentina atenção midiática, que acompanha passo a passo a caçada a Assane, é um elemento novo, mas que opera dentro do velho modus operandi de Lupin: é um suposto obstáculo no caminho do ladrão, mas que, no fundo, só frisa seu heroísmo “robinhoodiano” — afinal, Assane, ousado como é, usa essa pretensa vulnerabilidade a seu favor. Porém, da mesma forma que consagra seu protagonista com sua demonstração de esperteza, Kay subtrai a relevância dele depois de superado o empecilho. Apoio e asco públicos, antes tão emblemáticos — o rosto de Assane virou símbolo, como Dalí em La Casa de Papel —, se tornam uma vírgula para o próximo desafio, isto é, um misterioso inimigo do seu passado, que ressurge com um plano de vingança.
Isso significa, em última instância, que Lupin insiste também nos mesmos deslizes das temporadas anteriores. Personagens e informações vêm e vão, conforme é útil e pertinente para o plot da vez, sem muita preocupação com uma coerência interna. Por isso, quando Assane se depara com seu maior dilema até aqui — escolher entre duas pessoas que ama —, Kay não vai até o final. Ele coloca a questão para seu protagonista, mas não desenvolve por completo as consequências emocionais dessa decisão. Na realidade, o showrunner se contenta em deixá-la como “ponta solta” para construir o cliffhanger de uma possível Parte 4.
É incômodo, principalmente por atestar como a série muitas vezes abre mão de acompanhar a sagacidade do seu protagonista. Mas, felizmente, não chega a ferir sua irreverência. A recorrência com que o impacto dos desdobramentos é suavizado já é parte da fórmula de Lupin e, por isso, você releva — é previsível que vá acontecer e há um conforto nisso, talvez pela promessa do próximo passo. Mas, mais importante do que isso, tudo o que era ótimo nas temporadas anteriores se mantém. Em outras palavras, o espectador continua se encantando com a performance e o carisma de Omar Sy; a relação entre Assane e Guedira ainda é engraçadinha; os planos são mirabolantes, no melhor sentido da expressão; e Paris segue uma ótima coadjuvante.
A grande novidade da Parte 3 é realmente seu escopo. Além de ganhar mais episódios para desenrolar sua história, Lupin está nitidamente mais grandiosa. Conforme Assane tenta retomar o controle da situação — adversidade que eleva a série ao seu melhor —, a dimensão do seu problema cresce em valor de produção. Os cenários estão maiores, os figurinos e disfarces mais elaborados e os planos, ainda que mirem nos mesmos resultados, mais ambiciosos. Na realidade, a série dessa vez cria desafios intermediários interessantes, que prolongam a tensão na medida, ao mesmo tempo que garantem que as arestas sejam, pelo menos, melhor aparadas. Até porque o plano ser bem-sucedido ou não é o de menos: o principal atrativo de Lupin é acompanhar uma dinâmica estimulante e divertida de gato e rato — e, com mais investimento, fica mais fácil desenvolvê-la com coesão.
Mesmo assim, Lupin é a mesma série da primeira temporada. Por isso, não dá para dizer que era imprevisível que a temporada se encerraria com um aceno a um velho adversário. A volta de Pellegrini é simbólica e, considerando como a história de Assane se desenrolou até aqui, era até pertinente que fosse o caso. Não dá para negar que retomar essa narrativa abre brecha para um esgotamento prematuro. Mas, felizmente, a terceira temporada é a prova de que a repetição, se melhor resolvida, não é o decreto do fim, mas de uma sobrevida.