Byron Gogol (Billy Magnussen) não é um homem particularmente intimidador - ou, ao menos, não à primeira vista. Magnata da tecnologia, o grande antagonista de Made for Love, que chegou à HBO Max brasileira na última semana, é um nerd recluso, aterrorizado por um mundo que ele não pode controlar, cheio de traumas de infância, incapaz de uma conexão humana verdadeira. Ele é também um marido controlador, que prende Hazel (Cristin Milioti), metafórica e literalmente, em uma rotina meticulosamente sufocante em que sua individualidade é massacrada e qualquer rastro de sua humanidade é apagado em favor de uma utopia que pode não parecer, mas é extremamente cruel.
Made for Love sabe que este não é um cenário de fantasia. O trio de criadores Alissa Nutting (também autora do livro que inspirou a série), Patrick Somerville e Christina Lee toma cuidado para manter o retrato de Byron, do seu relacionamento com Hazel e das sequelas psicológicas dela firmado na realidade, contando uma história envolvente de resiliência e de tomada de controle sobre o próprio destino. Quem já viveu e já escapou de um relacionamento abusivo, especialmente um relacionamento abusivo desta estirpe insidiosa e muitas vezes “invisível”, pode encontrar aqui afinidade com Hazel, uma heroína tremendamente humana.
A série não é, no entanto, o melodrama social que parece ser por sua sinopse. Ao invés disso, o time de roteiristas cria uma tragicomédia ácida que observa e inverte relações de poder e de afeto; que ironiza e condena o uso da tecnologia para a correção das imperfeições do mundo e das pessoas, se deleitando no absurdo até onde este impulso humano pode ir; que nota afiadamente as excentricidades e hipocrisias de mecanismos sociais como o preconceito e a moralidade sexual; que não tem medo da ambiguidade ética dos atos de seus personagens, envolvidos nas garras complicadas da vida real, e nem de zoá-los por isso. Tudo em uma embalagem de ficção científica.
Made for Love entende, acima de tudo, que o gênero é essencialmente um Cavalo de Troia para quaisquer observações e filosofias que o autor queira colocar. Fazer ficção científica é, por princípio, mais do que outros tipos de narrativas, uma forma de significar e entender a realidade, integrando traços dela a uma premissa baseada em conceitos irreais, ou improváveis, ou aos quais simplesmente não chegamos ainda. Na série, isso se traduz nas tecnologias usadas por Byron para monitorar, controlar, até conquistar Hazel, e nas ações dele para se isolar (e, consequentemente, isolá-la) do mundo.
O designer de produção Jordan Ferrer cria um mundo futurista espertamente esparso, árido, insípido, do qual as partes mais duvidosas da humanidade parecem brotar meio à contragosto - quando Hazel visita um clube de strip, por exemplo, adornado de neon e paredes descascadas ausentes no mundo ascético criado por Byron para os dois. Made for Love não tem altos valores de produção e grandes efeitos especiais, mas sabe usar as cartas que tem na manga para criar um mundo visualmente interessante, no qual a sua história pode se desenrolar convincentemente.
No centro nervoso dessa história, inclusive, são preciosas as sutilezas dos protagonistas Cristin Milioti e Billy Magnussen. Ela encontra a forma perfeita de interpretar uma mulher em frangalhos sem fragiliza-la demais, ou expô-la ao ridículo, apostando no carisma e no timing cômico já testado e aprovado em How I Met Your Mother, Fargo e Palm Springs, mas criando uma Hazel cujo nervosismo é tão palpável quanto sua força. Ele, enquanto isso, prova mais uma vez (depois de Caminhos da Floresta e Maniac) a inteligência de suas performances, que quase sempre usam a aparência de galã clássico norte-americano em favor de uma desconstrução, uma zombaria ou uma ressignificação da masculinidade deste arquétipo.
Como ele, Made for Love é deliciosamente eficaz nessa inversão. Virando o jogo de quem é dono da própria história, a série da HBO Max é um bálsamo (para quem vive ou já viveu essa realidade) e um triunfo (para qualquer um que escolher apertar o play).