Pouco antes de Manual de Assassinato Para Boas Garotas chegar às telas na BBC e depois na Netflix, a autora do livro que inspirou a história, Holly Jackson, contou que foi responsável por mudar muitos detalhes da série que estavam completamente diferentes da obra original. "Se eu não tivesse oferecido meu sábio conselho e orientação e me intrometido, a série não seria o que é hoje", declarou ela na ocasião. Por um lado, como leitora, não dá pra negar que a produção é extremamente fiel à essência e aos principais momentos da obra. Se isso é suficiente - ou convincente - em tela já é outra questão.
Em Manual de Assassinato Para Boas Garotas, acompanhamos a história de Pip (Emma Myers), que decide transformar em trabalho de escola o caso do assassinato de Andie Bell (India Lillie Davies). Cinco anos antes, a garota mais popular do colégio desapareceu e foi dada como morta após seu namorado supostamente confessar o crime numa mensagem de texto e cometer suicídio. Pip, no entanto, não acredita que a solução seja tão simples e decide assumir a investigação por conta própria.
Poppy Cogan, criadora e showrunner da série, se sai bem na missão de transferir os raciocínios da protagonista, que no livro aparecem em primeira pessoa, para a tela. Com a ajuda de flashbacks, um verdadeiro “quadro policial” montado em seu quarto e conversas dela com seu eventual parceiro (Ravi, irmão do falecido suposto culpado), o espectador entende como cada ponto da investigação é, aos poucos, conectado. Se o que o você espera do mistério colegial britânico é um CSI explicativo, Cogan oferece todo o didatismo.
No entanto, na maioria das vezes, essa ligação acontece rápido demais. A produção dirigida por Tom Vaughan (Jogo de Amor em Las Vegas) e Dolly Wells (Orgulho e Preconceito e Zumbis) sofre para resumir mais de 400 páginas em apenas seis capítulos de 40 minutos. No livro, o leitor entende os percalços no caminho de Pip, os detalhes que ela reúne aos poucos para resolver um caso de assassinato com tantas nuances - na série, os atalhos ficam fáceis demais. Em um momento, por exemplo, um traficante de drogas é convencido, com um mísero suborno de 60 libras (menos de R$ 500!), a revelar detalhes cruciais da investigação.
O mesmo problema de tempo também acaba afetando nossa relação com os personagens. É fácil se conectar com Pip e Ravi, mas todos os outros coadjuvantes são tão pouco aprofundados que muitos deles não se fixam além da sua entrada funcional. Dois dos melhores amigos da protagonista, inclusive, não conseguem nem justificar sua presença na história – a não ser para deixar os fãs dos livros felizes. Outros personagens acabam se revelando essenciais na investigação, apenas para sumirem no episódio seguinte.
Se a série tem um grande mérito, no entanto, é a escalação de Emma Myers no papel principal. A atriz mantém a positividade de Enid, personagem que a tornou famosa em Wandinha, mas expressa também uma rebeldia e maturidade extras que se encaixam perfeitamente para Pip. E ela ainda contribui com emoção quando precisa enfrentar as consequências de sua investigação nas pessoas ao seu redor, ou lidar diretamente com o criminoso no clímax da história.
Para os fãs de séries adolescentes – e especialmente da saga de Holly Jackson –, Manual de Assassinato Para Boas Garotas oferece uma replicação do que se vê nos livros, mesmo quando isso não se justifica no roteiro. É fácil ficar se perguntando como seria a versão inicial da série, sem a interferência da autora. Provavelmente alguns personagens e detalhes da história fossem cortados, tempos fossem ajustados para que as coisas se assentassem melhor - enfim, tudo o que se esperaria de um trabalho de adaptação digno desse nome.