O primeiro assassinato em massa em uma instituição de ensino no Brasil aconteceu em sete de abril de 2011, na escola Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, Rio de Janeiro. Em cerca de quinze minutos, mais de trinta disparos foram dados. Ao todo, mais de cem. Vinte e quatro estudantes foram baleados e doze morreram. O atirador se suicidou.
A série documental de quatro episódios Massacre na Escola – A Tragédia das Meninas de Realengo, que estreou dia 09 de julho na HBO e HBO Max, reaviva a discussão sobre o massacre que aconteceu há mais de dez anos, mas que ainda é muito atual. Ele pode ser considerado precursor de uma prática atualmente recorrente de crimes que, até então, era inédita no Brasil.
O que poderia ter sido mais uma série de true crime, ou um documentário que focasse no sofrimento das vítimas para causar impacto dramático, desviou do esperado e abordou algo novo sobre um caso já tão conhecido: o fato de que este não teria sido apenas um massacre, mas um crime misógino. Um feminicídio em massa, fato quase ignorado pela mídia na época do acontecimento.
Bianca Lenti, produtora e diretora do documentário, chegou a essa conclusão por algumas questões. Das doze vítimas fatais, dez eram meninas e apenas duas eram meninos. Além disso, outras dez meninas, que não morreram, ficaram feridas. Ainda, as vítimas do sexo feminino eram atingidas diretamente na cabeça, com quase nenhuma chance de defesa. Os meninos foram alvejados em diferentes partes do corpo.
Com ideias de menosprezo e posse pela mulher, o assassino deixou claro, em cartas e documentos, o ódio que sentia pelo bullying que dizia ter sofrido na escola. O foco era claro: o sentimento ruim que nutria pelas mulheres, a quem via como ameaça às suas próprias questões sexuais mal resolvidas. No final das contas, vemos um homem que tentou, de todas as maneiras, justificar suas ações injustificáveis e colocar a responsabilidade de seus atos em outras pessoas.
De maneira muito sensível, a série decidiu seguir a nova tendência em informações sobre true crime e jornalismo investigativo e policial no Brasil e não citar o nome do atirador. Massacre na Escola foca nas vítimas que sobreviveram, na família das vítimas fatais e no acontecimento, enquanto coloca o assassino como causador, sim, mas também o representa como uma espécie de “fantasma”. Uma entidade destruidora que exterminou quem cruzou seu caminho, e cujas motivações jamais serão capazes de explicar ou justificar seus atos.
Os detalhes e imagens excruciantes do massacre fazem com que a série quase esbarre no sensacionalismo, mas o respeito à narrativa das vítimas segura o que poderia ter se tornado uma má decisão. Temos que considerar o óbvio: não há como documentar o horror sem que ele seja exposto. O Brasil é um país que vive a violência de maneira próxima e crua, portanto, a sutileza na comunicação da dor que ela causa é incabível, e o true crime nacional carimba, cada vez mais, em suas narrativas, a maneira como vivemos e enxergamos a violência: de perto.
A culpa que corrói e não abandona aqueles que gostariam de ter feito diferente naquele dia também é muito latente na série, pesando como um eco da dor exposta de maneira bastante sensível. Inclusive, o doc também acerta na discussão do acontecimento, abordando o caso não como algo pontual, mas como o início de uma tendência de assassinatos e massacres que precisam ser olhados pelo governo. Massacre na Escola defende discutir e evitar novas ocorrências através de políticas públicas, pois apenas o controle dos pais não parece estar sendo o suficiente para evitar a disseminação de discursos de ódio nos fóruns on-line e incentivo à violência. A expectativa, aqui, é que a série sirva de alerta.
Ironicamente, o único homem que não vê o crime como feminicídio é Sargento Márcio Alves. O grande herói que salvou a maior parte das crianças no dia acredita que as meninas não correram pois, como mulheres, tiveram a tendência de cuidar umas das outras. Elas então se abraçaram, enquanto os meninos saíram em disparada para se proteger. Curioso? Sem dúvidas. Contraditório? Não sei. Talvez exatamente por esse tipo de pensamento enraizado na sociedade, seja enorme a importância de discutir as camadas e nuances que esses crimes trazem à tona. Eles também falam muito de quem não é o vilão da história. True crime não é ficção, e todos temos nossas áreas cinzas.