É inegável que os anos 1990 e o início dos anos 2000 ofereciam um contexto histórico mais convidativo ao saudosismo patriótico, absolutamente sério e incidentemente piegas de grandes odes audiovisuais à bravura de tropas norte-americanas na Segunda Guerra Mundial. Até mesmo o final da primeira década deste século, com a necessidade flagrante de resgatar uma autoestima abalada pela crise financeira de 2008, permitia que essas histórias não soassem antipaticamente autocongratulatórias. A realidade de 2024, entretanto, apresenta um cenário mais hostil. Agora, toda essa reverência pode ser não só muito mais alienante, como também parecer o reflexo da ignorância de um império decadente frente a questões globais muito mais agudas do que reviver glórias passadas.
É esse desafio que distancia imediatamente Mestres do Ar (2024) de suas produções-irmãs, Band of Brothers (2001) e The Pacific (2010). Tendo que afirmar sua importância em um cenário de ofertas de entretenimento expansivo — no qual os Estados Unidos estão cada vez mais longe de convencerem como grandes heróis da humanidade —, a minissérie derrapa de forma grave por construir um apelo dramático universal fraco. Assim, torna-se de longe o título mais capenga da trinca produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg (juntos de Gary Goetzman), tendo como grande trunfo um alto custo de produção que se mostra justificado por um belo espetáculo visual em nove episódios.
Em desenvolvimento desde 2013 e orçada em cerca de US$ 250 milhões, Mestres do Ar adapta para a TV o livro Masters of the Air: America's Bomber Boys Who Fought the Air War Against Nazi Germany, do historiador Donald L. Miller. Trata-se de uma narrativa histórica densa, que cobre a Segunda Guerra Mundial da perspectiva da Força Aérea dos EUA e do seu trabalho em conjunto com as forças aeronáuticas dos Aliados para frear o avanço bélico do Eixo sobre Ásia, Europa e o restante do mundo. Com episódios dirigidos por Cary Joji Fukunaga (True Detective), Anna Boden e Ryan Fleck (Capitã Marvel), Dee Rees (Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi) e Tim Van Patten (Família Soprano), a minissérie parte da amizade dos pilotos Gale “Buck” Cleven (Austin Butler) e John “Bucky” Egan (Callum Turner) para tecer um retrato amplo de diversas figuras históricas que compuseram ou trabalharam junto à 100ª Companhia de Bombardeiros, conhecida como “Centésima Sangrenta”.
Carismáticos e talentosos, Butler e Turner são uma boa âncora para o que se pretende um drama multifacetado sobre as agruras da guerra e a bravura de quem as enfrenta, mas é a forma como a série transita entre eles e os demais personagens que mina o desenvolvimento pleno de todos os elementos. Mal estruturada em sua junção de melodrama de caserna, trama de espionagem, espetáculo aéreo pirotécnico e história de reparação e harmonia racial (o que soa particularmente artificial, se tratando de uma história localizada em tempos de segregação nos EUA), Mestres do Ar parece saturada por uma insistência irritante em tentar emocionar de todos os ângulos possíveis. Isso, por vezes, acaba por fazê-la parecer tão genuína quanto um daqueles simulacros de relíquias históricas que encontramos nas áreas de menor prestígio em um museu.
O maior exemplo disso se dá no núcleo do elenco que é encabeçado por Ncuti Gatwa (Doctor Who): os pilotos pretos saídos do condado de Tuskegee, no Alabama. Introduzidos quase que ao final da minissérie, esses soldados, que por si só traziam histórias e dramas dignos de produções focadas exclusivamente neles, acabam relegados a funções formulaicas e protocolares que pouco fazem além de mover adiante a trama dos muito mais numerosos personagens brancos. Para além de uma questão de raça, é um problema de roteiro da minissérie, uma vez que se repete em tramas de espionagem envolvendo personagens femininas e em participações de membros de tropas de outros países. A grosso modo, nada que é eventualmente acrescentado à espinha dorsal da produção parece realmente amarrar-se de forma satisfatória à trama guiada por Butler e Turner.
Se há algum alento nessa dissonância, ele está na ação espetacular, que traz alguma coesão a um retalho narrativo. Mestres do Ar é bonita; bela ao ponto em que transcende os parâmetros típicos das produções de TV e streaming e por vezes mergulha em uma linguagem mais cinematográfica. Quando se permite ser visualmente alegórica e, portanto, mais narrativamente interpretativa, a série consegue até mostrar que é possível, sim, entregar retratos interessantes de uma visão já ultrapassada da identidade norte-americana. Infelizmente, são poucos esses momentos de brilhante delicadeza. O que abunda é o excesso deslumbrante: o encaixe promovido pelo bom uso do Volume (a tecnologia de telões que constroem os cenários em séries como O Mandaloriano e Obi-Wan Kenobi) e de efeitos práticos de explosões, tiros e sets colossais.
Certamente penalizada pelo atraso que a pandemia da Covid-19 impôs sobre seu lançamento — forçando-a a estrear em um mundo muito mais política e culturalmente desgastado do que aquele para o qual foi inicialmente concebida —, Mestres do Ar pode ao menos celebrar a sorte que deu com seu elenco, salpicado de jovens estrelas que hoje são maiores e mais célebres do que quando foram escaladas para o projeto. Altamente competentes, nomes como Barry Keoghan (Saltburn), Isabel May (1923) e Anthony Boyle (Tetris), além dos supracitados Butler, Turner e Gatwa, extraem o máximo da história desenvolvida por John Shiban e John Orloff. Só é uma pena que esse todo não seja lá tanta coisa assim.