Mindhunter não é o tipo de série fácil de assistir. Não só por conta de sua linguagem crua ao falar de assassinatos tão brutais, mas porque seu ritmo é muito mais psicológico do que factual, o que pode dar uma falsa impressão de que nada realmente acontece. Com uma fórmula tão apoiada em texto, a série passa longos minutos em sequências que se fortalecem em diálogos tensos, olhares trêmulos e sem pressa de construir o perfil de cada episódio. O espectador de Mindhunter não está procurando por tiros e perseguições na mata. Seus criadores sabem disso e investem no apuro dessa técnica no intuito de nos transportar cada vez mais para o quão perturbadas são as mentes dos assassinos e – por que não – dos investigadores.
A segunda temporada de Mindhunter retorna mais rica e com uma linha central mais objetiva que do ano anterior. Ainda estamos acompanhando o lento crescimento da atividade do assassino BTK, mas os roteiros acertaram muito em abordar a participação de Holden (Jonathan Groff) e Bill (Holt McCallany) nos misteriosos e hediondos assassinatos de Atlanta.
No início da década de 70, uma série de desaparecimentos de meninos negros chamou a atenção do mundo pela sua crueldade e mistério. Vinte e oito meninos desapareceram, vários foram encontrados mortos e alguns até hoje estão sumidos. Os desaparecimentos se tornaram, também, uma forma de levantar discussões acerca da velada ação de violência racial, mobilizando grupos de defesa dos direitos dos negros. Na época, os autores do livro que originou a série (John Douglas e Mark Olshaker, em que são baseados os protagonistas) estiveram na linha de frente da busca pelo criminoso. O trabalho dos dois traçando perfis de serial killers já estava se encorpando, mas a teoria de que o assassino seria também um homem negro encontrava a barreira inevitável da injusta culpabilidade afrodescendente através da história.
Amarrar, Torturar, Matar
A trajetória da segunda temporada de Mindhunter começa a ganhar mais forma a partir do episódio 3, quando Holden acaba sabendo sobre os desaparecimentos em Atlanta enquanto está de passagem pela cidade. Antes disso, temos um grande investimento nos primeiros crimes de BTK, um pano de fundo paralelo que não é uma decisão aleatória. Os perfis traçados por Holden e Bill estão ganhando forma, mas a reputação tão comum do homem por trás da sigla choca-se com parte do raciocínio construído por eles. Esse é um dos grandes pontos fortes da série, uma vez que a obsessão de Holden é grande parte do sucesso das operações, mas também é um entrave na necessidade de manter a perspectiva mais ampla. O agente passa toda a temporada insistindo que é um homem negro que está capturando os meninos, mas além de ser difícil convencer uma comunidade negra disso, é difícil convencer todos à volta de que esse homem negro também é um cidadão “de bem”.
Nenhuma dessas complexidades seria possível se não estivessemos diante de uma produção textualmente impecável. Mindhunter não desperdiça cenas, não cospe palavras aleatórias e tem uma habilidade impressionante de conseguir condensar informações de maneira a torná-las acessíveis para quem nunca ouviu falar de tais criminosos. As entrevistas com assassinos reais da história do país continuam acontecendo, e os roteiros apresentam o fato e desenvolvem um ângulo sobre ele unificando apresentação e abordagem em um mesmo resultado, que muitas vezes acontece com apenas uma cena. A direção (que sempre começa com David Fincher na frente) corresponde ao exercício e mantém o elenco controlado. Assassinos e investigadores evitam o excesso e a atmosfera que isso traz para os episódios é de abafamento, angústia, como se tudo estivesse gritando por dentro, sem poder sair.
Helter Skelter
Um dos fatores mais interessantes da temporada também foi a exploração da ideia de controle e manipulação que pode surgir na relação entre criminosos e vítimas. A série foi atrás de assassinos como Elmer Wayne, que afirmou ter participado de crimes apenas porque vivera sob a influência do verdadeiro serial. Também foi nesse ano que Holden teve sua tão aguardada entrevista com Charles Manson (Damon Herriman), outro criminoso que ficou famoso por ter conseguido que seus seguidores assassinassem em seu nome. Esse encontro com Manson, inclusive, foi um dos momentos mais poderosos da série, sobretudo porque ao mesmo tempo, Bill vive em casa o pavor de ver no próprio filho os traços de uma personalidade manipuladora que pode ser fatal. Damon Herriman entregou aquele que pode ser o melhor Manson da ficção, ficando lado a lado de Cameron Britton e sua assustadora versão do monstro Ed Kemper.
Por conta dessa trama envolvendo o filho de Bill, Holt McCallany brilhou bem mais que Groff, que continua minimalista na sua construção de Holden, o que não deixa de ser interessante considerando o contexto de exageros a que está exposto. Holden esperou muito por Manson, mas é Bill que se destaca na cena com ele. Talvez, enfim, a única ponta solta da temporada tenha sido justamente a narrativa envolvendo Wendy (Anna Torv), que cresceu em sua posição profissional e emocional, mas que com tão pouco investimento romântico na série, acabou tendo sua ligação homoafetiva com uma bartender se deslocando demais da composição da temporada. A discussão em torno de sua posição como mulher e lésbica dentro de um ambiente tão machista é extremamente relevante, mas a junção desse elemento no restante da carpintaria não foi eficiente.
Por fim, o mais assustador é que Mindhunter pode ficcionalizar o quanto quiser as vidas dos protagonistas, mas não pode fazê-lo com as histórias dos criminosos que retrata. A resolução da temporada é melancólica, pessimista, mas real. Sua renovação não foi confirmada, mas Mindhunter ainda tem muito o que dizer sobre o pavor que a mente humana sofre diante do mal iminente e o terror escondido na crueldade aleatória.