Nem toda história de amor começa com uma intensa troca de olhares ou um esbarrão imprevisível, como as séries e os filmes nos acostumaram desde crianças. A verdade é que um romance entre duas -- ou mais pessoas, por que não? -- às vezes só nasce quando a fagulha apaga. Ou, ainda, bem depois do destino determinar o seu fim. É essa visão, talvez pouco convencional às comédias românticas, que saltam aos olhos na segunda temporada de Modern Love. Enquanto o primeiro ano da antologia se deixou levar sobretudo por visões distintas do flerte e da expectativa juvenil que vem com um novo caso, essa leva de episódios encontra êxito em histórias maduras, que se permitem um mergulho no passado de seus personagens para encontrar suas motivações e, em última instância, a substância que faltou à série na sua estreia.
Estrelado por Sophie Okonedo e Tobias Menzies, o episódio “Second Embrace, with Hearts and Eyes Open” é um ótimo exemplo desse salto narrativo. Com uma química estonteante, os atores britânicos vivem um casal divorciado que se divide na criação das suas duas filhas. Enquanto ela começa a deixar de dar conta dos mínimos detalhes, ele finalmente passa a agir à altura da responsabilidade. A perda do controle de um e o compromisso mais sério com a paternidade do outro preenchem as lacunas que um dia os distanciou, e os divorciados se apaixonam novamente. A efervescência da paquera retorna, mas com o peso da idade -- ou, talvez, a tranquilidade que vem da experiência. Eles não têm pique para correr de felicidade, como antes, mas certamente estão mais seguros para dialogar sobre suas vontades e desgostos.
Esta pode não ser a trama mais criativa dentre os oito capítulos deste ano, sobretudo considerando a conclusão que ameaça o futuro do casal, mas o roteiro aliado a performances tão sólidas dão verossimilhança a cada detalhe. Como na temporada anterior, as premissas vêm de histórias de pessoas reais, narradas na coluna homônima do jornal New York Times. Logo, sentir que a série é capaz de contar ao menos algumas delas a partir desse lugar genuíno já torna a experiência mais interessante e recompensadora.
“On a Serpentine Road, with the Top Down”, curiosamente outra história que inova já na largada ao ser ambientada também fora de Nova York, reproduz essa mesma dinâmica para o espectador. Dessa vez, porém, focando em uma mulher em luto. Uma premissa semelhante até chegou a ser abordada na primeira temporada, é verdade, mas aqui ela encontra contornos talvez mais relacionáveis. Não se trata de um casamento que existiu por décadas e acabou pela idade, mas um amor que se manteve anos depois da morte do marido da protagonista. A médica, vivida por Minnie Driver, encontrou no carro velho do falecido uma maneira para mantê-lo vivo, como uma presença no seu dia a dia. Ao ter que abrir mão do veículo para não prejudicar as economias da família, ela se vê num dilema. Ela é capaz de dar mais esse adeus?
Embora estas sejam histórias muito bem trabalhadas nos quesitos roteiro e direção, não se pode dizer o mesmo sobre o restante da temporada. É perceptível, sim, que houve um cuidado para ampliar o escopo geográfico e social de seus personagens, dando espaço a mais de um romance LGBTQIA+, por exemplo, mas a criação de John Carney ainda cai no lugar comum, ou simplesmente prefere as obviedades a realmente fazer jus à palavra “moderno”.
Por exemplo, o carro-chefe da temporada, “Strangers on a Train”, recicla clichês para retratar talvez a mais atual das premissas: o romance durante a pandemia. Na história, Kit Harington e Lucy Boynton se conhecem numa viagem de trem em março de 2020 e, avessos à ideia do flerte virtual, decidem não trocar telefones. Convencidos de que a pandemia não passaria de uma paralisação temporária, optam por se encontrarem duas semanas depois, na estação de trem. O mais longe que vão é num longo e carregado toque de cotovelos.
Não é preciso dizer que o romantismo dos dois não foi a ideia mais esperta, não é mesmo? O problema, porém, é que nessa tentativa dos personagens de equilibrar o dilema entre responsabilidade coletiva e desejo, novamente muito relacionável com a experiência do próprio espectador, Carney faz decisões criativas questionáveis. A personalidade da estudante de Boynton, por exemplo, é a batida nerd que despreza as garotas ditas “só” bonitas, chamando-as de “Angelinas” -- isso, vale dizer, não está na crônica original, foi uma opção do criador da série, que assina o roteiro e a direção do capítulo. Ele ainda faz questão de referenciar não uma, mas duas vezes -- e nominalmente -- a trilogia de Richard Linklater, como se fosse uma relação muito difícil de se estabelecer por conta própria.
Há no episódio momentos divertidos, como a performance musical inesperada no meio da viagem de trem ou, mesmo, os debates que o casal tem com seus respectivos familiares. Mas, no fundo, “Stranger on a Train” simboliza bem a inconstância da antologia. Há boas intenções, mas envelopadas em ideias conservadoras sobre o que é o amor.
Ainda assim, entre histórias boas e minimamente experimentais do ponto de vista narrativo, como “How Do You Remember Me?”, e tentativas apenas constrangedoras, a exemplo de “In the Waiting Room of Estranged Spouses”, observa-se em Modern Love um amadurecimento. Mesmo que a nova temporada não seja tão moderna como promete, ela garante a dose de romantismo que os tempos áridos da pandemia tornaram tão mais necessários, e não deve desagradar os entusiastas do primeiro ano.