Cena da 3ª temporada de A Amiga Genial (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

My Brilliant Friend ganha urgência com troca de diretores na 3ª temporada

A história de amadurecimento ficou para trás - série da HBO agora é um drama adulto

19.04.2022, às 15H51.

Uma das grandes virtudes de My Brilliant Friend desde a sua primeira temporada, em 2018, era a forma como o diretor Saverio Costanzo traduzia o texto meditativo de Elena Ferrante em pura sinestesia na tela. Para Costanzo, crescer era simultaneamente uma experiência mágica em que nossos sentidos tocavam o indescritível da experiência humana e uma sucessão dilacerante de decepções e reajustes, de confrontos impiedosos com uma realidade que nossas jovens mentes não podiam evitar de transformar em fantasia. Acontece que, na 3ª temporada de My Brilliant Friend, a hora de crescer já passou.

Nessa adaptação de História de Quem Foge e de Quem Fica, penúltimo livro da tetralogia napolitana de Ferrante, reencontramos Lenù (Margherita Mazzucco) quando ela está prestes a se casar com Pietro Airota (Matteo Cecchi), o jovem acadêmico de família respeitada e rica que promete sagrar a trajetória vitoriosa da nossa protagonista. Enquanto isso, Lila (Gaia Girace) trabalha em uma fábrica de salsichas enquanto tenta criar o filho, mas logo se vê às voltas com revoltas trabalhistas e o conflito violento entre fascistas e comunistas na Itália dos anos 1970.

São dilemas adultos que elas enfrentam, e My Brilliant Friend toma mais uma decisão acertadíssima ao trocar o estilo evocativo de Costanzo pela abordagem muito mais direta de outro grande diretor italiano: Daniele Luchetti. Os filmes dele, como Meu Irmão é Filho Único (2007) e Anos Felizes (2013), se tornaram favoritos do circuito de festivais europeu nas últimas duas décadas, e não é por acaso. O trunfo da câmera de Luchetti aqui é como ela encontra as brechas através das quais o sublime, o apaixonante, o excitante (no bom e no mau sentido) se infiltram na rotina modorrenta e sóbria da vida adulta.

Está tudo nos detalhes para o cineasta e seu diretor de fotografia, Ivan Casalgrande: as centenas de braços levantados na mesma direção no meio de um protesto ao qual Lenù comparece; o Sol que nasce bem em cima do seu rosto, tingindo-a de dourado, em um café da manhã com a família; a cortina que se fecha sozinha diante da câmera enquanto Lila confidencia parte de sua história à amiga; a câmera lenta enquanto as duas atravessam a rua juntas aos risos, vindas da praia, contagiadas pela brisa do mar e por um momento de intimidade raro… Eu poderia citar dezenas de outros pequenos momentos que ficam gravados na cabeça quando sobem os créditos de cada episódio.

Na construção dramática de Luchetti, enfim, é como se a magia do mundo que Costanzo nos apresentou nas duas temporadas anteriores ainda estivesse lá, mas sufocada, estrangulada pelas preocupações práticas e morais de uma vida que exige... bom, pragmatismo e moralidade - mesmo que não tenhamos a mínima ideia do que estamos fazendo a maior parte do tempo, e mesmo que sigamos reféns dos nossos humores e fantasias como sempre estivemos. Ou seja: ele traduz exatamente o que a história de amadurecimento criada por Ferrante nos livros tem de mais especial, verdadeira e unicamente relacionável.

Ajuda, é claro, que Luchetti tenha uma dupla de protagonistas da excelência de Mazzucco e Girace. Ambas fizeram as suas estreias na atuação com o início de My Brilliant Friend, em 2018, e entregam aqui suas últimas cenas como Lenù e Lila - na 4ª e última temporada, uma nova dupla de atrizes deve interpretar as amigas na meia-idade. Aos 19 e 18 anos, respectivamente, elas demonstram potências expressivas diametralmente opostas, mas igualmente impressionantes.

Mazzucco é o tipo de atriz que esconde tudo no olhar. Ela sabe como colocar o corpo em cena para comunicar a jornada da personagem, mas é na profundidade analítica dos seus olhos azuis que mora a Lenù temperamentalmente intelectual, analítica, que faz dos livros de Ferrante seu palanque emocional particular. Enquanto isso, Girace é uma intérprete entregue à história física de sua Lila, engrandecendo ainda mais a dureza, a inteligência implacável e cortante dela, tragicamente limitada pelas circunstâncias. Lila é gigante no papel impresso, mas Girace consegue dar a ela ainda mais vida, mais respiro, na tela.

Ter essas duas grandes performances como ponto de equilíbrio é fundamental durante a transição estética e narrativa que My Brilliant Friend opera brilhantemente nesta temporada. Preservando a identidade da narrativa e abrindo espaço nela para considerações políticas mais fortes e transformações pessoais mais radicais, a série da HBO encaminha-se para o seu último ano exatamente na mesma posição em que está desde que lançou seus primeiros episódios, lá em 2018: como a melhor série de TV de sua era.

Nota do Crítico
Excelente!