Apesar do trabalho detalhista colocado em cada cena de ação, John Wick nunca foi uma franquia de tramas complexas. Muito pelo contrário: a história do ex-assassino de aluguel de Keanu Reeves começou como uma narrativa simples de vingança. Primeiro derivado desse universo, O Continental segue a mesma linha. Uma retaliação sofrida por Cormac (Mel Gibson), então gerente do hotel titular, serve como pontapé inicial para a jornada de Winston (Colin Woodell) à chefia do submundo criminoso.
Assim como nos filmes, O Continental apresenta uma série de personagens estranhos e cheios de particularidades. Mais do que usar a bizarrice desses novos assassinos apenas para colorir seu cenário, a produção tenta incluir suas personalidades — por mais rasas que sejam — em cada passo das coreografias. Cativantes mesmo sem nome, essas figuras reforçam a criatividade desse mundo violento e engajam o espectador apesar de seus arcos narrativos praticamente inexistentes.
Os protagonistas, por outro lado, têm seus passados um pouco mais explorados. O grupo formado pelos aliados de Winston tem seus próprios traumas e convicções, que inevitavelmente se conectam a Cormac e ao que acontece no Continental. Ainda que o futuro gerente do hotel seja o personagem principal de fato de O Continental, a atenção dada a seus aliados dá razão à sua cruzada sangrenta e justifica a parceria de suas figuras antagônicas.
Em uma produção de personagens exagerados e cartunescos, Mel Gibson é o nome do elenco principal que melhor canaliza toda a excentricidade da série em sua atuação. Exagerado, Cormac lembra os vilões das eras mais lúdicas de 007, cujos antagonistas eram motivados mais por ego e ambição do que de fato por um objetivo maior. Apoiado na infâmia que o ator desenvolveu nas últimas duas décadas, O Continental explora a toxicidade hoje inseparável do veterano, tornando-o odiável desde seus primeiros segundos em tela. Assim como seu intérprete, Cormac é como uma tragédia fatal que prende o olhar e cada surto, berro e manipulação cometida por ele é tão verossímil quanto assustadora.
Como acontece nos filmes, O Continental atinge seu ápice criativo nas cenas de ação. Tanto tiroteios quanto lutas mano a mano são filmadas para que todo golpe e tiro seja sentido. Os combates que envolvem lutas marciais tradicionais, especialmente aqueles protagonizados por Lou (Jessica Allain) e Yen (Nhung Kate), são ágeis e brutais. O segundo episódio merece destaque neste sentido: dirigido por Charlotte Brändström, “Loyalty to the Master” guarda todas as balas para seu terceiro ato enquanto a cineasta filma algumas das lutas mais divertidas da franquia.
Por outro lado, O Continental não evita redundâncias que quebram seu ritmo, estruturando sua temporada como três “filmes” de 90 minutos. O segundo episódio, em especial, é excessivamente repetitivo em relação ao primeiro e nem mesmo suas ótimas batalhas inspiradas na era do blaxploitation e em filmes clássicos de artes marciais salvam seu marasmo. Ainda que John Wick seja caracterizado por excessos pontuais, a minissérie perde a mão ao voltar várias vezes a uma mesma discussão sem nunca resolvê-la de fato.
Mesmo que explore mais a fundo o passado de algumas das pessoas mais chegadas a John Wick, O Continental nunca tenta decifrar os mistérios da franquia. Aliás, a minissérie introduz ainda mais perguntas, especialmente no que diz respeito à relação de Winston com a Alta Cúpula e com o restante do submundo criminoso. Aproveitando-se do lore rico, mas vago de John Wick, a produção deixa um final aberto, abrindo espaços a serem preenchidos em uma eventual segunda temporada ou novos derivados que se passem antes do filme de 2013.
Com uma estrutura e voz próprias, O Continental mostra que o universo John Wick é cativante o bastante para se manter mesmo que Reeves, Chad Stahelski ou Derek Kolstad não retornem a ele. Primeira prévia da expansão planejada pela Lionsgate, a minissérie foge do óbvio para dar à franquia um prólogo tão natural quanto surpreendente.