Se há um ponto de concordância entre eu e a equipe de roteiristas de Obi-Wan Kenobi (encabeçada por Joby Harold, mas composta também por Hossein Amini, Stuart Beattie, Hannah Friedman e Andrew Stanton), é que a minissérie nasceu, por definição, como uma refém de Star Wars. Situada entre os episódios III - A Vingança dos Sith (2005) e IV - Uma Nova Esperança (1977), a produção traria pouca novidade ao desenvolvimento emocional de seus principais personagens, uma vez que deveria corroborar o estado no qual encontramos aquele universo, no filme original. Onde eu aparentemente discordo do quinteto é na crença de que, ainda assim, a premissa de acompanharmos os anos solitários do desgraçado mestre jedi poderia resultar em boa televisão.
A raiz do problema de Obi-Wan Kenobi parece estar em um tipo particular de indecisão e insegurança narrativas que só surgem das obrigações do corporativismo. De um lado, há o convite à exploração da nostalgia promovida pelo livre acesso aos principais nomes da franquia. Além de Kenobi (Ewan McGregor), a minissérie torna central à sua trama o retorno do icônico vilão Darth Vader (Hayden Christensen), a infância da adorada Princesa Leia (Vivien Lyra Blair) e a vida de isolamento de Luke Skywalker (Grant Feely) com seus tios, Owen (Joel Edgerton) e Beru (Bonnie Piesse). Do outro, há o aceno à expansão de universo com um elenco de apoio diverso e carismático, encabeçado pelo arco dramático doloroso da Inquisidora Imperial Reva Sevander (Moses Ingram), mas desenvolvido de forma crescentemente protocolar e tediosa com as apressadas apresentações de Tala (Indira Varma), Haja (Kumail Nanjiani) e Roken (O’Shea Jackson Jr.). Dividida entre exploração do passado e fundamentação do futuro, a série acaba abraçando o genérico; tenta agradar todo mundo e falha em se comprometer a fundo com qualquer abordagem, deixando para os fãs a escolha amarga entre indiferença e decepção que costuma acompanhar a covardia artística.
A impressão que fica é de que o texto supervisionado por Harold consegue reunir ótimas ideias, mas que, em contato umas com as outras, não só não se corroboram como entram em conflito constante pela atenção do espectador. A jornada intimista de resgate da fé de Kenobi conversa bem com o amadurecimento de Leia, mas é sufocada no som e na fúria da trama violenta de Reva. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da narrativa de esperança do “Caminho” (um sistema de contrabando de fugitivos do Império que promete conectar mais séries vindouras de Star Wars) é totalmente esquecido quando os impulsos vingativos de Vader tomam prioridade na história. E, quando o encerramento pede que todos esses ângulos convirjam, uma tentativa repentina de apelar ao tom épico e grandioso dos filmes prelúdios — em homenagem ao público que, por anos, pediu por mais de McGregor no papel-título — resulta em mais estranheza do que emoção.
Tendo a chance de fazer de Obi-Wan Kenobi a série de Star Wars mais cinematograficamente coesa até aqui, Deborah Chow lembra em muito pouco a diretora que mostrou ser em The Mandalorian. Apesar de comandar todos os seis episódios da produção, ela perde o domínio de tom logo no capítulo de abertura, mostrando grande dificuldade no controle de cenas de ação e permitindo que momentos de tensão se tornem cômicos e constrangedores. A perseguição de Vect Nokru (Flea, do Red Hot Chilli Peppers) à jovem princesa Leia, em uma floresta genérica e desinteressante, é gravada quase toda em planos abertos — sacrificando qualquer senso de urgência; o parkour de Reva para chegar até Kenobi e a garota parece ter sido coreografado por Michael Scott (Steve Carell), de The Office, e editado por um TikToker de 12 anos; e McGregor merece um adicional de insalubridade por estrelar tantas cenas balançando um sabre de luz para cima e para baixo, tentando tornar convincente a resistência a mais de uma dezena de inimigos atirando ao mesmo tempo.
Chow claramente tem maior domínio e interesse nas interações afetivas entre personagens; o ponto mais alto da minissérie. É nos diálogos mais simples de McGregor com a surpreendente Lyra Blair, a intensa Ingram ou o altamente comprometido Christensen que resta o lastro para o espectador manter-se envolvido em uma narrativa tão dispersa. Só é uma pena que haja tão pouco respiro para que esses momentos ressoem à sua maior potência: Obi-Wan Kenobi parece, ao mesmo tempo, apressada e arrastada, enfiando aquelas cenas de ação mal pensadas e mal conduzidas como pedágios em um drama com potencial. Com tamanha dificuldade em unificar delicadeza e grandiosidade, a minissérie ainda cruza o limite da bobagem que diverte, flertando com o tosco — um movimento muito mais danoso do que o que fez Robert Rodriguez em O Livro de Boba Fett, uma vez que ela mesma tenta disfarçá-lo ao voltar bruscamente à seriedade taciturna, em seus capítulos finais.
Se contasse com uma direção mais firme, ou com maior liberdade autoral (um abraço, Lucasfilm), Obi-Wan Kenobi poderia remediar seu texto disperso com a centralização da perspectiva da série em seu personagem-título, exatamente como fez o Marvel Studios em Ms. Marvel. A nova série do MCU, que ironicamente dividiu as quartas-feiras do Disney+ com o mestre jedi por três semanas, promove uma imersão agressiva no ponto de vista da protagonista Kamala Khan, e usa esse mergulho consciente para atribuir valor e relevância ao mundo que a cerca, mesmo que muito dele seja recém-apresentado. No caso de Kenobi, isso ainda seria facilitado por toda a paixão que o personagem já desperta, há anos, graças ao apelo histórico de Star Wars. Da forma que foi conduzido, entretanto, esse trunfo tornou-se um peso; ao migrar seus olhos para diferentes personagens de apoio, a minissérie fica órfã de um ângulo cujo carisma fosse capaz de rivalizar com o de seu protagonista, jogando contra si mesma.
Obi-Wan e Leia caminham rumo à aventura em cena de Obi-Wan Kenobi (Disney+/Divulgação)
Se tivesse um texto melhor, ou menos preocupação em atender a todos os demográficos de consumidores da Disney simultaneamente, talvez a direção burocrática de Chow fosse remediada, afinal não é impossível construir de forma competente e envolvente uma história que salte entre pontos de vista diferentes. Tudo Em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, um dos melhores filmes do ano (e de todos os tempos), consegue perfeitamente pontuar os anseios e desenhar as personalidades de seus principais personagens, mesmo que se admita primariamente uma jornada de uma personagem só. Obi-Wan Kenobi, por outro lado, faz de personagens como Haja e Roken instrumentos vazios que só servem a dois propósitos: justificar soluções mágicas em benefício do mestre jedi e professar uma suposta preocupação com representatividade e diversidade que vai só até a página dois, já que ambos acabam como tokens vazios. O equilíbrio desses objetivos existe com Reva e Tala, mas ambas teriam muito mais espaço e impacto em seu desenvolvimento caso a série apresentasse mais foco, objetividade e esmero na junção de suas partes.
Ao menos a pílula de Obi-Wan Kenobi é dourada da mesma forma que foi a da trilogia de prelúdio, para seus detratores, há mais de 17 anos: com o sempre eficiente Ewan McGregor. Vê-lo voltar a assimilar os maneirismos de Sir Alec Guiness, bem como aqueles que ele mesmo desenvolveu em três filmes na pele do mestre jedi, é arrepiante. Christensen, muito criticado à época dos episódios II - O Ataque dos Clones (2002) e III, retorna muito mais investido em nuances para sua melhor performance como Anakin/Vader até hoje. E, quando ambos se unem em tela, os duelos dinâmicos e acrobáticos de sabres de luz fazem qualquer cena pífia de ação tornar-se irrelevante, ainda que momentaneamente. O problema dessa aproximação inevitável com a segunda trilogia de George Lucas é conceitual: a série do Disney+ deve tudo a essas produções que à sua época foram massacradas pela crítica e que levaram mais de uma década para despertar uma paixão vocal entre os fãs — mas que, mesmo com seus infinitos cenários plastificados de tela verde, ainda transpiram humanidade, coração e comprometimento artístico infinitamente mais palpáveis do que a Casa do Mickey tem dedicado à saga. Sem calcular o revisionismo, qual resposta deveria receber uma série que só é realmente boa quando se debruça justamente sobre esses antes execrados trabalhos?
Com o potencial de repetir Rogue One: Uma História Star Wars (2016), e explorar uma das pontas soltas da saga com precisão, Obi-Wan Kenobi se aproxima muito mais de Han Solo: Uma História Star Wars (2018), uma produção que não sabe hierarquizar a importância dos elementos que a compõem, pontuando com a mesma reverência seus desdobramentos emocionais e os produtos licenciados que vai querer vender depois (que tal um droide que parece o Mickey? Tome aí a história de origem de um coldre!). Como fã apaixonado do personagem Obi-Wan Kenobi, e alguém que nem é tão admirador de Episódio VIII - Os Últimos Jedi (2017) — inegavelmente, o único produto realmente corajoso e artístico entregue pela Disney na Saga Skywalker — é necessário dar o braço a torcer e dizer: Rian Johnson tinha razão quando escreveu, na voz de um desiludido Luke Skywalker, que “é hora dos jedi acabarem”. Pois a Disney parece empenhada em fazer isso acontecer da forma mais decepcionante e melancólica possível.
Que The Mandalorian tenha piedade de nós!