Há um ditado que diz que após a tempestade, sempre vem a bonança - mas isso não se aplica às detentas de Orange is the New Black. A série original veterana da Netflix chegou a sua sexta temporada após experimentar seu evento mais marcante até então: a rebelião do quinto ano que não terminou tão bem quanto poderia. Em especial, a co-criadora Jenji Kohan mostrou que aprendeu com as críticas sobre ter uma personagem branca de classe média - apesar de minorias étnicas e sociais historicamente serem mais prejudicadas pelo sistema carcerário norte-americano - no centro da ação durante os primeiros anos sem precisar transferir o bastão de personagem principal. Piper (Taylor Schilling) segue sendo a protagonista, mas definitivamente não é mais quem determina os rumos narrativos na cadeia.
A trama começa expandindo o universo de Orange is the New Black: com o fim da rebelião, várias das presas são levadas para a segurança máxima, lugar que foi mencionado ao longo dos cinco anos anteriores e que, só agora, ganhou forma de fato. A mudança veio com a intensidade adequada: ao mesmo tempo em que lidavam com as consequências injustas da rebelião como aumentos de pena, busca por bodes expiatórios e acusações por crimes que não cometeram, as detentas conhecidas do público passaram a dividir cela com psicopatas realmente perigosas e gangues enfurecidas.
Com tantos rostos ao longo de seis anos, é possível identificar claramente os casos de sucesso na trajetória de personagens e os momentos em que houve um subaproveitamento de tramas. Por exemplo, enquanto Taystee (Danielle Brooks) detém uma jornada de crescimento surpreendente, se tornando uma coadjuvante tão importante quanto as protagonistas, Daya (Dascha Polanco) fica no extremo oposto servindo, temporada após temporada, como uma carta na manga para assumir narrativas que nem sempre se conectam - só o que salva o aproveitamento dela no sexto ano é a dinâmica com Aleida (Elizabeth Rodriguez).
Outros exemplos de acertos e erros estão em, respectivamente, McCullough (Emily Tarver) e Pennsatucky (Taryn Manning). A primeira mostra, pela primeira vez com o destaque merecido, que o despreparo dos agentes penitenciários vem junto com o completo descaso com a saúde mental deles, mesmo após situações-limite. Sobre isso, aliás, um dos melhores episódios da temporada é justamente “Gordons”, que aproxima com delicadeza as trajetórias de Taystee e Tamika (Susan Heyward), antes funcionárias do mesmo restaurante fast-food e, agora, separadas pela parede invisível de detenta e agente. Já no caso de Pennsatucky, a temporada mostra ela em fuga ao lado de seu estuprador e apenas pincela seu comportamento problemático para, depois, deixar a personagem abandonada até os episódios finais.
A sexta temporada bebe muito na fonte das anteriores na hora de reciclar alguns recursos narrativos. Por exemplo, a nova remessa de episódios traz de volta a dinâmica de criminosas poderosas liderando gangues, manipulando detentas mais jovens e fermentando conflitos de longa data com personagens mais velhas - no segundo ano, a tensão se deu entre Vee (Lorraine Toussaint) e Red (Kate Mulgrew), enquanto dessa vez ficou nas mãos de Carol (Henny Russell) e Barbara Denning (Mackenzie Phillips) contra Frieda (Dale Soules). A própria história do kickball assume, em seu desenlace final, os contornos da fuga em massa vista na conclusão do terceiro ano, com as detentas se divertindo em um lago ao lado da cadeia.
Algo realmente inédito foi o amadurecimento de Piper e Alex (Laura Prepon) como um casal. O romance principal da série sempre foi minado pelo comportamento tóxico de ambas as partes - sendo, inclusive, o motivo das duas estarem presas. Alex e Piper tinham tudo para ser um exemplo de relacionamento destrutivo, mas a própria cadeia mostrou para elas - das formas mais difíceis possíveis - quais questões internas elas precisavam resolver para se tornarem pessoas melhores. Lições aprendidas a duras penas, a evolução individual das duas reverberou positivamente no relacionamento delas. Foi bom ver Alex e Piper vivendo finalmente na alegria, ao invés da habitual tristeza dos anos anteriores.
Os maiores acertos do sexto ano estão na expansão do que o público vê no microcosmo da cadeia. Durante os 13 episódios, o espectador enxerga o mundo das detentas a partir da ótica delas e a imersão é tanta a ponto de toda interferência externa soar surpreendente, lembrando que o mundo segue girando enquanto elas cumprem suas penas. Quando a sexta temporada começa, a expectativa é que vá ser mostrado o que acontecerá com as personagens por conta da rebelião em si, mas o foco principal repousa, na verdade, sobre um incidente com o qual elas nem tiveram relação. No capítulo final, algo semelhante acontece com a personagem de Flores (Laura Gómez) em uma das reviravoltas mais amargas de todas as temporadas.
Com cara de temporada final, Orange is the New Black assume um risco ousado nos desfechos de Piper, de Taystee e na crítica absolutamente contemporânea que dá tom ao fim de Flores - tudo que leva as três a seus momentos derradeiros na trama é bastante simbólico sobre como o sistema carcerário nos EUA é problemático em vários níveis. Há um momento que Maria (Jessica Pimentel) conversa com a guarda McCullough sobre ter feito coisas ruins antes e, agora, estar tentando fazer coisas boas: mora nessa dinâmica o maior mérito da série. Todos os personagens são complexos a ponto de não serem demonizados por seus erros, nem santificados por seus acertos. Oscilando entre a comédia e o drama como pede a vida real, Orange is the New Black segue sendo uma das séries mais afiadas da atualidade.