Desde que começou, em 2014, o grande destaque de Outlander sempre foi a relação entre Jamie e Claire. Passando pelo começo conturbado, a união improvável e a criação de um companheirismo único, o relacionamento dos dois é a base da série. Por isso, não é surpresa que a quarta temporada seja a mais irregular de todas, exatamente por tirar o foco dos dois para desenvolver outros núcleos. Sempre é interessante ver outros personagens desse universo tão rico, mas fica muito claro como os episódios perdem o rumo quando o foco não é o casal.
A primeira parte da quarta temporada é focada nos problemas que Claire ainda enfrenta ao viver no passado. Um deles é a escravidão. Ao chegar aos EUA, Jamie e Claire encontram a tia Jocasta, irmã da mãe de Jamie, e começam a viver em sua propriedade. A oportunidade de vida para os dois no local é incrível, mas Claire deixa claro que não pode possuir escravos. Essa fala mostra o quanto é difícil ver frente a frente os problemas que a humanidade enfrentou ao longo de sua história. Claire é uma mulher inteligente que sabe da existência da escravidão, mas uma coisa é ler nos livros e outra bem diferente é ser responsável pela falta de liberdade de todas aquelas pessoas.
Quando é confrontada com essas questões, Claire se mostra irredutível, até mesmo quando suas escolhas colocam todos em perigo. Com isso, Outlander brinca com o nosso julgamento sobre a personagem. Em um primeiro momento, é comum pensar “por que ela é tão teimosa? Isso não vai levar a nada”. Mas a verdade é que Claire sempre foi forte ao defender seus argumentos e nunca fazer nada contra os seus princípios, mesmo diante das maiores dificuldades. Será que todos também não deveriam agir assim?
A ignorância do passado também é presente na quarta temporada ao falar sobre os nativos da região. Há uma aura de medo e desconfiança dos brancos, que olham para os povos locais como selvagens capazes de tudo. Mesmo não acabando totalmente com a ignorância que permeia essas relações, Claire faz questão de ter uma postura conciliadora, e isso faz com que a série desconstrua muitos conceitos do próprio público, como a escolha do Jovem Ian mostra no fim da temporada. Porém, mesmo tendo um papel importante nessas discussões, as grandes participações de Claire na temporada se resumem a isso, o que faz com que a história perca bastante fôlego.
A vida de Brianna
Se a primeira parte da temporada é focada nos problemas em viver numa época tão distante, a segunda é a jornada de amadurecimento de Brianna Randall, possivelmente a personagem mais injustiçada de Outlander até agora. Ao descobrir que os pais podem morrer em breve no passado, a jovem toma a decisão de deixar sua vida na década de 70 e partir para avisar aos dois sobre esse destino. Há um paralelo interessante sobre as idas de Claire e Brianna. Enquanto a primeira fez a viagem completamente de surpresa, a filha tentou se preparar ao levar comida e mapas para o passado, mas mesmo assim entrou rapidamente em uma posição de vulnerabilidade, acentuada por sua briga recente com Roger.
Esse personagem, aliás, é um dos mais confusos de todas as temporadas de Outlander. Ao ser apresentado a Brianna ainda na década de 70, Roger parece um rapaz equilibrado, sensato e apaixonado. Um par perfeito para a filha de Claire e Jamie. Mas a quarta temporada mostra que, enquanto é amoroso e fofo quando está afastado de Brianna, o rapaz é nervoso e praticamente violento quando tem suas ideias confrontadas por ela, um comportamento que não faz o menor sentido com quem ele mostrava ser. As brigas entre os dois são permeadas de insultos feitos por ele e, ao criar a relação dessa forma, a série torna difícil criar empatia com o casal. Por isso é estranho quando Roger resolve seguir Brianna no passado. Ele tenta fazer um “grande gesto de amor”, apenas para entrar em outra briga quando os dois se reencontram e ela questiona certas atitudes dele.
Roger é um homem produto de seu tempo (a década de 70) e por isso carrega consigo machismos próprios da época, mas suas reações exageradas diante das ideias de Brianna mostram que há algo a mais. Um bom exemplo disso é o próprio Jamie, que também age de forma equivocada muitas vezes (como essa temporada mostra claramente), mas mesmo quando discorda de Claire, tenta chegar a um entendimento e as discussões entre os dois dificilmente atingem níveis mais altos. O amor entre Jamie e Claire é palpável quando os dois estão em tela, enquanto Roger parece querer apenas o controle de Brianna.
Se essa trama já seria o suficiente, Outlander parte o coração dos fãs ao mostrar o estupro da personagem, em uma cena tão difícil de assistir que o Starz soltou um aviso de gatilho no Twitter antes de o episódio ir ao ar. O abuso sexual é um assunto delicado na série. Essa característica vem dos livros de Diana Gabaldon e assombra tanto os homens, quanto as mulheres. E embora o seriado tenha tentado mostrar esse momento tão difícil da vida de Brianna de forma sensível, não há como não apontar alguns problemas. O primeiro deles é que a cena acontece no mesmo episódio em que a personagem perde a virgindade. As duas cenas são totalmente diferentes visualmente, mas colocá-las tão próximas cria uma relação complicada.
Na história dos livros, os acontecimentos são próximos para estabelecer a gravidez de Brianna e sua dúvida sobre a paternidade da criança. Mesmo assim, há várias ferramentas narrativas que poderiam ter colocado as cenas em episódios diferentes. A violência contra a personagem acontece no encerramento do capítulo, deixando um ar de tristeza nos créditos e uma grande curiosidade nos fãs sobre o que vai acontecer. Esse efeito seria menor se a cena acontecesse no começo do episódio seguinte, por exemplo, o que deixa claro que a escolha foi feita para encaixar um gancho. Se o estupro tivesse acontecido no começo do outro capítulo, isso diminuiria o choque da cena, que já é muito violenta por si só, e também evitaria possíveis interpretações de culpar Brianna pelo que aconteceu. Ao colocar o sexo consentido e não consentido juntos, alguns podem pensar que a garota “foi punida” ao aceitar a relação física com Roger. Essa interpretação errônea, mas completamente possível da forma como as cenas são colocadas, vai contra tudo o que Outlander defende, que sempre foi o prazer de ficar com quem se ama. O paralelo também enfraquece ainda mais a relação dos jovens, já que a lembrança daquela noite, tanto para eles quanto para os fãs, terá muito mais relação com a violência do que com o amor.
Toda essa construção dolorosa e confusa da vida de Brianna no passado também tira força do conflito final da temporada, focado em resgatar Roger da tribo Mohawk. A jovem faz um apelo para que a mãe traga o rapaz de volta, mas as atitudes questionáveis dele tornam difícil acreditar no amor de Brianna e sua necessidade de tê-lo de volta, colocando em risco o pai, a mãe e o primo. Assim, não há emoção com a volta de Roger, que ainda precisa pensar se quer ficar com Brianna após saber que o filho pode ou não ser seu. A irregularidade de sentimentos prejudica a narrativa da série e promete ainda causar muitos problemas para Brianna.
Com todas essas nuances, a quarta temporada de Outlander termina como uma das mais irregulares da série. O desequilíbrio entre o tempo de tela dos personagens e a construção estranha do relacionamento de Brianna tiram o vigor do seriado, que continua visualmente impecável com cenários bem construídos e figurinos caprichados. A história termina com um gancho que promete colocar Jamie e Claire novamente em foco no quinto ano, o que será o maior acerto de todos para o seriado.