Cena de Pachinko, 2ª temporada (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Pachinko busca clareza histórica em 2ª temporada atribulada, mas ainda bela

Apesar de menos íntegra do que no 1º ano, série do Apple TV+ ainda tem cartas na manga

06.11.2024, às 15H29.

Há algo de eletrizante nos momentos em que Pachinko consegue encontrar, no meio do emaranhado denso de processos históricos que perpassam sua trama, um espacinho para desobstruir o caminho dos seus personagens nesse mundo em transformação. Nessas ocasiões, o roteiro da equipe comandada por Soo Hugh adquire aquele dom quase sobrenatural das melhores ficções: o de relacionar experiências universais e particulares, geracionais e geográficas, em uma história comum de humanidade que atinge o espectador com um combo poderoso de identificação e alteridade, um baque emocional e intelectual que desloca, mesmo que seja em graus quase imperceptíveis, a forma como olhamos para a realidade.

Supõe-se que tenha sido essa a qualidade que agraciou o livro original de Pachinko, escrito por Min Jin Lee, com o público que o comprou aos milhões - mas, de qualquer forma, é de tirar o fôlego como Hugh e cia. transportam essa magia para a tela, e como o elenco reunido pelo Apple TV+ se comporta diante dessa claridade histórica raríssima. Essa magia em particular, que se apresentou lá no primeiro ano, lançado em 2022, ainda está na segunda temporada - o problema é que os momentos de genialidade de Pachinko se apresentam de forma muito mais esparsa dessa vez, como se a eloquência da série se visse tímida diante da monumentalidade da história que quer contar, e também de uma elaboração técnica muito menos coesa.

Até porque, enquanto na primeira temporada os diretores Kogonada (Columbus) e Justin Chon (Blue Bayou) realizavam um dueto impressionante por trás das câmeras, entrelaçando seus estilos para pintar a Coreia antiga e o Japão moderno com os tons certos de plasticismo e imediatismo, aqui o comando dos episódios é pulverizado entre três nomes que, embora eminentemente competentes em seus ofícios, não se mostram tão enfáticos na elaboração estética. Arvin Chen (Love in Taipei), Sang-il Lee (Vilão) e Leanne Welham (Conversas Entre Amigos), talvez desconectados da afinidade artística óbvia que havia entre seus antecessores, entendem que o que fazem de melhor é se ater a um lugar de observação polido - e, como resultado, Pachinko perde um pouco da riqueza subtextual que a direção mais cuidada lhe emprestou em episódios anteriores.

O que sobra é um melodrama ocasionalmente potente de sujeitos atravessando a história, e um momento específico da história em que instituições que organizam a vida em sociedade estão em pleno processo de desintegração e, mais tarde, reimaginação. Abrangendo o final da 2ª Guerra Mundial e o período inicial de industrialização do Japão, este segundo ano de Pachinko acompanha seus personagens enquanto eles se adaptam e subscrevem, cada um à sua maneira meio subconsciente, ao status quo de um mundo que vai se globalizando e se consolidando em torno dos ideais de um capitalismo americanizado - o sucesso como diretiva moral, a respeitabilidade comprada pela subjugação do outro, a devoção a uma autoridade pulverizada no ethos cultural (é muito mais fácil se rebelar contra uma instituição consolidada do que contra “tudo que está aí”).

Quando dá de encontro com essa mudança de paradigma, e com as repercussões familiares e íntimas dela, Pachinko é magistral. Em um final de episódio inesquecível, por exemplo, Sunja (Kim Minha, excepcional mesmo quando a direção não a favorece) e o filho Noa (Kim Nang-hoon) reencenam dolorosamente a fratura emocional indefectível que ocorre quando uma geração precisa “deixar para trás” o lugar do qual seus pais lutaram para tirá-la - e, no processo, ganha o direito e o privilégio até então inimaginável de sentir saudades desse mesmo lugar. É nessa clareza aterradora que a série vai caminhando adiante com alguma dignidade, de momento em momento, mesmo que esteja perdendo partes de sua excelência pelo caminho.

Nota do Crítico
Bom