Cena de Parasyte: The Grey (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Yeon Sang-ho resgata temas de Profecia do Inferno na superior Parasyte: The Grey

Novo sucesso sul-coreano da Netflix convence na ação, no terror e principalmente no drama

10.04.2024, às 08H04.

Parasyte: The Grey não é lá muito sutil sobre as questões filosóficas que pretende propor ao espectador. Especialmente da metade da primeira temporada adiante, a produção sul-coreana da Netflix chega a cansar com a insistência em reiterar, no diálogo, o seu foco em analisar o que as criaturas parasitárias da trama chamam de “organizações humanas”. Da constituição da família aos laços de amizade, passando pelas instituições mais concretas da igreja, do governo, da polícia, da mídia e da vizinhança, The Grey define os arcos de seus personagens a partir de suas lealdades ou desapegos a essas organizações, desenhando os efeitos positivos e negativos de se associar a elas - ou, por outro lado, se afastar delas.

É nesse contínuo que existem Jeong Su-in (Jeon So-nee), jovem que denunciou seu pai por agressão na infância e desde então vive uma vida medíocre, pautada pelo medo; Seol Kang-woo (Koo Kyo-hwan), ex-capanga da máfia que se vê em fuga após um trabalho que dá errado; e Choi Jun-kyung (Lee Jung-hyun), capitã do Time Grey, divisão policial encarregada de caçar e eliminar os parasitas que têm infectado os cérebros de humanos por toda a Coreia do Sul. The Grey faz com inteligência o trabalho de colocá-los em rota de colisão, de nos convencer das transformações drásticas que acontecem na vida de cada um conforme sua relação com as “organizações” ao seu redor mudam, e - mesmo quando não foge do óbvio - de fazer um bom entretenimento dessas trajetórias.

Mas, de fato, assistir a Parasyte: The Grey tendo o contexto da obra prévia do diretor e roteirista Yeon Sang-ho é entender que esta é a refinação de uma história que ele está tentando contar há muito tempo. O cineasta trabalha na cena sul-coreana desde meados dos anos 2000, mas foi Invasão Zumbi (2016) que o transformou em um nome “de grife”. Há em The Grey, sem dúvida, uma aposta dobrada nos elementos que fizeram do longa um sucesso surpreendente oito anos atrás, especialmente a ideia de concentrar a ação em tomadas longas, filmadas com a câmera na mão, que ajudam a integrar o CGI ao dinamismo da porradaria, e de quebra vendem a noção já batida (mas ótima, quando funciona) de “colocar o espectador junto aos personagens” durante os momentos de adrenalina.

Se Parasyte: The Grey herda essa abordagem visual de Invasão Zumbi, no entanto, a obra chave para entender a evolução de sua narrativa é outra: Profecia do Inferno, série assinada por Yeon Sang-ho para a Netflix em 2021. Inspirada em uma HQ de autoria do próprio diretor, a produção olhava para os efeitos morais e institucionais de um acontecimento tão calcado na fantasia quanto uma invasão de monstros parasitas, mas mirava seu holofote mais concentradamente nas instituições religiosas que surgiam a partir dele, usando o caos e o desamparo dos humanos afetados como oportunidade para violar privacidades e integridades que não seriam tocadas de outra forma. The Grey também conta com a formação de uma igreja como parte de sua trama, mas aqui a religião é só parte do mosaico das “organizações humanas” que Yeon quer ponderar.

Curiosamente, ao expandir a sua lente, o cineasta não dilui a força de sua reflexão - só a potencializa. Isso acontece porque, dentro de um retrato sistêmico de como as instituições “achatam” a humanidade dos seus sujeitos para que eles possam caber dentro de suas funções práticas, a forma como os personagens encontram apoio e compreensão nas alianças improváveis que surgem fora dessas organizações (ao mesmo tempo que reconhecem que não podem viver o tempo todo à revelia delas) acaba ressoando com mais força. E outro acerto foi deixar de lado a estrutura bipartida de Profecia do Inferno, que abandonava a maior parte de seus personagens no meio da primeira temporada em favor de um pulo temporal difícil de justificar, especialmente por ter deixado tantos arcos pela metade.

Apesar de mais expansiva, portanto, esta nova série traz um Yeon Sang-ho que parece mais disposto a investir na jornada íntima de seus personagens - e o elenco responde a esse investimento com performances que ecoam umas nas outras de maneiras surpreendentes. O melodrama divertido de Lee Jung-hyun, por exemplo, vai se abrandando conforme a capitã Choi começa a questionar sua missão, a pose dando espaço a uma hesitação que antes só fazia sentido na postura tímida de Jeon So-nee, ou nos tiques nervosos de homem perseguido que ditam o trabalho de Koo Kyo-hwan. Com um trio de protagonistas assim, em perfeita sintonia mesmo que pouco dividam a tela, é mais fácil perdoar a tendência que o diálogo tem de explicitar seu subtexto.

Falta de sutileza, afinal, é um problema pequeno quando fica claro que Parasyte: The Grey está vibrando com o propósito inconfundível de um contador de histórias que entende melhor para onde suas obsessões podem levá-lo, e para onde quer levar o espectador. Enxuta em seus seis episódios que nunca passam de 50 minutos, a série tem o que dizer, sabe exatamente como dizer, e não perde tempo em dizê-lo. Uma raridade em pleno 2024.

Nota do Crítico
Ótimo