Após dois filmes marcados por mudanças em relação aos livros, a preocupação em torno da série de TV de Percy Jackson e os Olimpianos girou em torno da fidelidade à saga literária de Rick Riordan. O próprio escritor participou da produção, o que não aconteceu nos longas de 2010 e 2013. Com Riordan trabalhando nos bastidores, a série evita desvios e principalmente escala protagonistas com idades compatíveis com as dos personagens dos livros. O saldo da série, porém, volta a nos lembrar que fidelidade não é garantia de qualidade.
Em oito episódios corridos e mal montados, a série adapta o primeiro livro da saga, Percy Jackson e o Ladrão de Raios, no qual conhecemos os semideuses Percy (Walker Scobell), Annabeth Chase (Leah Jeffries) e o sátiro protetor Grover Underwood (Aryan Simhadri). Os três alunos do acampamento meio-sangue se unem em uma missão quando o raio-mestre de Zeus é misteriosamente roubado e o senhor do Olimpo culpa Percy, o filho proibido de Poseidon. Para tentar impedir a guerra celestial e salvar o mundo, o trio parte para o submundo com a missão de reaver o raio.
O ponto forte da série está justamente nesses três personagens. O carisma irresistível de Scobell, Jeffries e Simhadri domina a tela e faz com que eles se destaquem mesmo diante de veteranos como Glynn Turman (Chiron), Jason Mantzoukas (Dionísio) e o saudoso Lance Reddick (Zeus). Nesse quesito, a série mostra a importância da participação de Riordan no projeto e na escalação; o trio emana a energia caótica de Percy, a seriedade de Annabeth e a cautela de Grover.
A escalação é só o ponto de partida, porém. Ao longo do primeiro episódio, a pressa na exposição sacrifica a imersão; como se tentassem incluir o máximo de informações no menor tempo possível, Riordan, que atuou como roteirista, e o diretor James Bobin comprimem várias cenas sem desenvolver a contento nenhuma delas. A saída de Percy da escola, a relação dele com Gabe e as descobertas sobre o mundo dos olimpianos passam rápido como uma obrigatoriedade de roteiro.
É evidente que cada adaptação implica escolhas narrativas, e que a obra filmada será distinta da literária pela própria natureza da mídia audiovisual. O elenco mais jovem e o selo Disney aproximam este Percy Jackson do que se convencionou esperar das “produções família” do estúdio. O tom mais infantil implica neste caso uma aventura mais imediata que possa ser vista por crianças, jovens e adultos. Isso frustra quem chega à série esperando algo mais descolado como nos filmes ou livros — mas, de novo, lidar com expectativas (de fidelidade, neste caso) é sempre uma faca de dois gumes.
A frustração pode se estender porque este Percy Jackson não demonstra ter a qualidade técnica que se espera da Disney. As escolhas de James Bobin pelos fade-outs para dividir cenas nos dois primeiros episódios podem se tornar incômodas à medida em que se espalham por vários momentos da série, especialmente em momentos que exigiriam mais recursos visuais e CGI. As cenas de ação e magia perdem o brilho e, consequentemente, seu impacto.
Tecnicamente muito abaixo do padrão que o público esperaria de uma adaptação aguardada, a primeira temporada de Percy Jackson e os Olimpianos termina sem ter o que acrescentar ao gênero da fantasia. O apego à fidelidade deixa de lado a fluidez narrativa necessária e, se há um legado ou uma lição a ser aprendida neste caso, é aquele velho lembrete de que adaptar é fazer escolhas, e transformações.