Séries e TV

Crítica

Os Quatro da Candelária usa o fantástico para humanizar as vítimas da chacina

Série ficcional remonta últimas horas antes do crime pelo olhar de quatro personagens

Pedrinho
16.12.2024, às 19H00.
Atualizada em 16.12.2024, ÀS 19H10

O true crime é um fenômeno que veio para ficar no catálogo dos serviços de streaming. A cada mês, novas produções do gênero ganham as telas pelo mundo e mais histórias de crimes hediondos se tornam amplamente conhecidas, bem como os criminosos que cometeram as atrocidades. Indo na contramão dessa tendência, a minissérie Os Quatro da Candelária, entrega o protagonismo para parte de suas vítimas e conta suas histórias para além da chacina cometida em 1993.

Na produção da Netflix, dirigida por Luis Lomenha, vemos uma reconstrução da história do massacre que tirou a vida de oito jovens e crianças que sobreviviam nas escadas da Igreja da Candelária, no Rio. A produção, no entanto, decide contar as últimas horas de quatro dessas vítimas. Os protagonistas, que se conheceram em um lar de detenção para menores, se tornam amigos e buscam apoio uns nos outros para conquistar um futuro melhor — até serem assassinados.

Essa relação do grupo é um dos pontos fortes de cada um dos episódios — que narram os mesmos eventos na visão de cada um dos personagens. Mesmo inexperiente, o elenco principal dá um show de atuação em vários momentos da produção, que mescla drama, comédia e fantasia de forma leve e equilibrada. Os veteranos Antonio Pitanga, Bruno Gagliasso e Leandro Firmino perdem o destaque diante da atuação do novato Samuel Silva, que protagoniza o primeiro episódio e faz com que o início da produção tenha um tom mais verdadeiro.

A direção de Lomenha aproveita essa vantagem para brincar com a dualidade do crível e do fantástico, e leva os fatos para um universo de possibilidades na vida das vítimas. Para isso, ele explora os sonhos de seus personagens, realizando na ficção o que não lhes foi permitido na realidade. Ao final de cada episódio, vemos os protagonistas dormirem e sonharem com um mundo onde a felicidade e a esperança existem sem restrições, com apenas barrigas cheias e sorrisos no rosto.

Nesse ponto, Os Quatro da Candelária brinca com afrofuturismo e ancestralidade, fazendo com que presente, passado e futuro se mesclem na ficção. Em muitas cenas, é possível ver com destaque a pira dos Jogos Olímpicos de 2014, algo que obviamente não existia nos anos 90. Além disso, os espectadores mais atentos podem ver modelos de carros atuais, lançados há poucos anos. Essa imprecisão proposital reforça a ideia de crítica atemporal, reforçando que a barbárie ocorrida em 1993 poderia ser facilmente uma história da semana passada.

Humanizando seus protagonistas, a série não se permite resumir como o relato de uma tragédia, e se torna o exercício de empatia que resgata a memória das vítimas do massacre. Ao unir elementos do fantástico, do afrofuturismo e do drama social, Lomenha não apenas homenageia as vidas perdidas, mas também provoca uma reflexão profunda sobre as desigualdades que perpetuam histórias como essa.

Nota do Crítico
Ótimo