Natural que o anúncio de uma segunda temporada de Round 6, após o sucesso absolutamente sem precedentes do primeiro ano na Netflix, tenha causado desconfiança. Nos últimos sabe-se lá quantos anos (talvez desde sempre), a dieta cultural hollywoodiana em que muitos de nós nos agarramos tem ensinado que, quando um estúdio corre para produzir a continuação não planejada de um produto de sucesso, o resultado é… bom, digno de desconfiança. A verdade da indústria tem sido, desde que nos lembramos, uma só: na pressa de dar ao público “o que ele quer”, os estúdios e emissoras frequentemente, e ironicamente, produzem algo que ninguém pediu.
Adicione aí o candor do roteirista e diretor de Round 6, Hwang Dong-hyuk, que falou publicamente sobre sua relutância original em se envolver na segunda temporada (e seus motivos puramente monetários para mudar de opinião), e o palco parecia inteiramente preparado para um repeteco da refeição amarga da qual provamos em verões passados. Que surpresa absurdamente bem-vinda, portanto, constatar que a série guiada por Hwang não só chegou íntegra em seu apelo de entretenimento a este segundo capítulo não planejado, como encontrou ramificações novas em seus subtextos, que só adicionam à relevância que ela tem como narrativa.
Parte importante dessa receita, curiosamente, é não complicar demais a conceituação dessa nova temporada - ela é uma continuação da primeira no sentido mais direto possível, e os primeiros episódios estão aqui para carregar a história adiante nas suas consequências mais simples. Leia-se: Gi-hun (Lee Jung-jae) resolve investir o dinheiro que ganhou na ilha para financiar uma operação para encontrar o Vendedor (Gong Yoo), em sua mente o primeiro passo de um plano cujo objetivo final é desmontar toda a organização dos jogos. Jun-ho (Wi Ha-joon), enquanto isso, tenta esquecer tudo o que aconteceu… o que não dura muito, é claro, uma vez que ele pega o rastro de Gi-hun.
Nesse início da temporada, o trunfo do roteiro muito eficiente de Hwang é nos mostrar que essa trama tem, sim, uma continuação natural. Mas ele também sabe que fazer uma sequência com “cheiro de coisa velha” é tão ruim quanto fazer uma sequência que ninguém pediu - familiaridade só te leva até certo ponto. Daí que Round 6 decide olhar para personagens que já conhecemos, como o Vendedor, de ângulos diferentes, não só brincando com a nossa curiosidade natural sobre a arquitetura do mundo ficcional em que estamos envolvidos, como também dando espaço para seus atores brincarem com tons e até fisicalidades diferentes.
Vale dizer que, talvez energizado pelos Emmys vencidos por seus colegas de elenco, Gong Yoo entrega uma performance eletrizante tanto em sua imprevisibilidade quanto em suas correntes subterrâneas de ressentimento e desespero. De qualquer forma, este início de temporada é só um tira-gosto: uma vez que as suspeitas imediatas de “necessidade” e “validade” dessa sequência se evaporam e nos vemos mais uma vez mergulhados nesse universo curiosamente colorido, de encenação leve, mas palco de tanta brutalidade (não tão diferente do nosso), Hwang Dong-hyuk nos apresenta um novo jogo, com novas personas e novas preocupações textuais - e é aí a série deslancha de verdade.
Em seu melhor, Round 6 é uma história que esbarra no horror do sangue que jorra de seus competidores, mas não pode ficar muito concentrada nele… simplesmente porque há muita coisa de vívido acontecendo ao redor de toda essa morte. A energia maníaca da câmera (fotografia de Lee Hyeong-deok, montagem de Nam Na-young) durante os jogos dá a dica: o que acontece aqui, na arena, é uma encenação extrapolada do que acontece nos intervalos dos jogos, quando as relações entre os personagens vão sendo construídas em subtons delicados de confiança e desconfiança, mágoa e perdão, aproximação e distância. A sinfonia é composta ali, os jogos são “só” a execução final dela.
Quando os soldados rosas se aproximam para eliminar os jogadores com tiros rápidos de metralhadora automática, enfim, a explosão da violência é secundária à explosão de triunfo e derrota, à culminação de tudo o que essas pessoas escritas por Hwang não conseguem esquecer, e como essas memórias as guiam na hora de correr pelas suas vidas. Talvez esteja aí o segredo para uma boa continuação, afinal: contar histórias sobre uma humanidade que nunca deixa de ter histórias para contar.