Em um gramado verde de onde se pode ver imensas montanhas geladas, uma mulher com um violão ensina dois jovens um dos mais importantes beabás da vida. Ela tenta da melhor maneira possível simplificar o que para eles parece complexo -- e, em Schmigadoon! isso só pode significar uma canção. A princípio, os jovens a olham com desconfiança, mas não demora muito para que se peguem completando a letra. "Vagina is where the penis goes / Ovaries make eggs for you and me...", cantam com uma inocência infantil comparável às crianças do clássico Uma Noviça Rebelde ao aprender as notas musicais.
Mas a verdade é que Melissa (Cecily Strong), a moça com o violão, não é nenhuma noviça -- embora exista quem a chame de rebelde. Na realidade, ela é uma médica do século XXI que, por obra do acaso, se viu com o namorado Josh (Keegan-Michael Key) naquela pitoresca cidadezinha parada no tempo -- ou, melhor, presa aos moldes de um musical da Era de Ouro de Hollywood. E até que ambos encontrem o amor verdadeiro, o que os dois já achavam ter, ela ficará ali, para sempre. Sem saber como sair dessa, Melissa pensa: por que não ter seu momento Julie Andrews e ainda questionar o status quo daquele que parece ser seu mais novo lar?
Por mais ridícula que soe, esta cena nas colinas representa muito bem a série do Apple TV+ criada por Ken Daurio e Cinco Paul. Porque Schmigadoon! é tão paródia, quanto é tributo. Ao mesmo tempo que evoca em detalhes produções clássicas de meados do século XX, a começar por A Lenda Dos Beijos Perdidos (cujo nome original, Brigadoon, é uma óbvia referência), ela também se permite olhar para os personagens e as ideias conservadoras do período para além da sua doçura nostálgica. Os números musicais, elaborados e fantásticos, são invariavelmente interrompidos por comentários sarcásticos, ora da própria Melissa, uma aficionada por musicais, ora do seu namorado Josh, que os odeia, trazendo o público de volta à realidade. Não como um exercício anacrônico, mas entendendo que há mais do que essa dita perfeição, retratada à época.
Essa divertida contraposição entre o olhar moderno e pragmático dos protagonistas e o conservadorismo mágico dos moradores de Schmigadoon! é importante para servir como alicerce para as situações cômicas, é claro, mas também para desenvolver a premissa dessa estranha viagem: a crise no relacionamento do casal. Ao serem obrigados a viver um musical na pele, os namorados não têm outra escolha a não ser encarar o que há muito tempo evitavam. Para Josh, isso quer dizer se permitir ser vulnerável com outra pessoa -- ou seja, cantar e dançar sobre seus sentimentos na frente de todos. Já para Melissa, é perceber como é fajuta sua visão idealizada do que é um romance.
Assim, personagens como os de Betsy (Dove Cameron), a filha do fazendeiro hipersexualizada, e o prefeito Menlove (Alan Cumming) -- sim, você adivinhou, ele é gay --, são mais do que setups de uma piada ou problematizações, no mínimo, razoáveis de elementos dos musicais clássicos. São desconfortos que levam os protagonistas a saírem do seu comodismo. Conforme ajudam os moradores de Schmigadoon! a se livrarem das amarras das suas funções narrativas, o casal vai entendendo que o amor verdadeiro que tanto buscam não é responsabilidade de um ou de outro, mas de ambos: tanto enquanto indivíduos, quanto como um par.
No entanto, a verdade é que o espectador não assiste aos seis episódios por se importar por Josh e Melissa, até porque Keegan-Michael Key e Cecily Strong não convencem como um casal. São as performances musicais, aliadas a cenários e figurinos escancaradamente saídos de espetáculos teatrais, e suas análises superficiais que tornam a produção encantadora. Schmigadoon! é uma carta de amor levemente sarcástica aos musicais clássicos -- e um convite para que o espectador de hoje os revisite (ou lhes dê uma chance) com crítica e doçura.