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Sense8: Episódio Final | Crítica

Série encerra jornada do cluster com lágrimas, sangue, risadas, alguns furos, e, é claro, a sensação de dever cumprido dos fãs

04.06.2018, às 20H08.
Atualizada em 05.07.2018, ÀS 15H56

Quando a Netflix anunciou o cancelamento de Sense8 em junho de 2017, talvez a empresa não imaginasse o quanto isso iria mobilizar os fãs em prol de uma conclusão digna para a história. Após uma enxurrada de tweets e de um abaixo-assinado com mais de 500 mil assinaturas, o serviço de streaming anunciou que daria aos fãs um filme de duas horas e meia, encerrando a história de Lito Rodriguez (Miguel Ángel Silvestre), Capheus Onyango (Toby Onwumere), Sun Bak (Doona Bae), Kala Dandekar (Tina Desai), Wolfgang Bogdanow (Max Riemelt), Riley Blue (Tuppence Middleton) Nomi Marks (Jamie Clayton) e Will Gorski (Brian J. Smith), grupo de pessoas ligados telepaticamente por uma espécie de consciência coletiva.

A segunda temporada mostra o grupo no meio de uma jornada contra a misteriosa entidade chamada Organização de Preservação Biológica (OPB), um grupo de pesquisa com financiamento multigovernamental que passou a ser utilizado para caçar e fazer experimentos com membros de clusters como o formado pelos oito protagonistas. No fim da temporada passada, as coisas estavam perigosamente equilibradas, com Wolfgang capturado pela organização antagônica ao passo que os sete demais tinham um dos seus principais líderes, o vilão Sussurros (Terrence Mann). O grupo havia entendido a real dimensão da luta que estavam travando, o poder de seus inimigos, as dimensões de suas próprias habilidades e alguns caminhos para a vitória dos heróis já estavam suavemente delineados.

Porém, com o cancelamento e o anúncio da conclusão em forma de filme, as coisas precisaram ir direto ao ponto. O episódio final, assinado por J. Michael Straczynski e Lana Wachowski - Lily, como informado ainda no segundo ano, precisou de afastar da produção por motivos pessoais - claramente condensa uma história que levaria mais duas ou três temporadas para ser contada e, por conta disso, despeja um grande volume de informações no espectador sem intervalos para respirar. Essa velocidade extremamente acelerada é justificável, mas várias reviravoltas deixam no público a impressão de potencial mal aproveitado pela falta de tempo de contar a história com mais cuidado.

Levando em conta o tom de complexidade aplicado nos dois anos de série, Sense8 surpreendentemente desenvolve e conclui a história principal de forma bastante coerente. Todas as situações que podem ser consideradas injustificáveis ou confusas demais por furos do roteiro são pequenas se comparadas às manobras que a série faz para explicar tudo o que ficou em aberto sobre a OPB e sobre a relação da organização com os clusters antes e depois das interferências maquiavélicas de Sussurros. Wachowski e Straczynski precisaram fazer escolhas sobre em que focar e acertaram ao não perder tanto tempo com tramas individuais, destacando a questão coletiva.

Isso não quer dizer, é claro, que o episódio especial não se debruce nas problemáticas de cada um dos oito protagonistas e de seus respectivos núcleos - Sense8 jamais funcionaria sem uma pitada disso. Mas questões como o contrato de Lito para estrelar o filme de sua vida ou a campanha política de Capheus são apenas citados brevemente, mas a série tenta resolver tudo que diz respeito ao campo amoroso dos personagens. O triângulo vivido por Kala, Wofgang e Rajan (Purab Kohli) tem destaque e é concluído de forma pouco óbvia, as relações tanto de Nomi e Amanita (Freema Agyeman) quanto de Sun e o detetive Mun (Sukku Son) são fonte dos momentos mais delicados e românticos da trama.

Os personagens coadjuvantes que se tornaram queridos pelo público também ganham momentos de brilhar na despedida: Dani (Eréndira Ibarra) brilha em uma sequência independente de Lito e Hernando (Alfonso Herrera), Bug (Michael X. Sommers) também consegue sobressair na maioria da cenas que participa. Além disso, há várias aparições de rostos conhecidos inseridas no episódio com a única finalidade de agradar os fãs, fazendo com que o público passeie por tudo que aconteceu até então e busque na memória situações que se tornaram icônicas na atração. Todo o episódio é, de certa forma, pensado como um presente para o público: há muita coisa ali feita com o intuito exclusivo de aquecer o coração dos espectadores.

Sobre as cenas de ação, Sense8 não usa a falta de tempo como desculpa para economizar nesse quesito. São várias, para agradar todos os tipos de fãs - desde as sequências clássicas de Sun mostrando o motivo de ter ficado conhecida como "o espírito de Van Damme" até Wolfgang mostrando sua habilidade com as armas mais potentes disponíveis no mercado ilegal. Em momentos que beiram o surreal, os protagonistas encaram verdadeiros exércitos, explodem todos os tipos de veículos e rolam em litros do sangue mais falso possível.

O episódio final abraça o público LGBT de formas ainda mais engenhosas em sua parcela final. Há muitos momentos em que a série faz analogias com situações-comuns vividas por gays, lésbicas, bissexuais e transexuais para mostrar os personagens no processo de se entender como integrantes de uma outra espécie humana, os homo sensorium. Há momentos semelhantes à saídas do armário, há o preconceito por parte de homo sapiens, há a aceitação plena - "foi difícil, mas se pudéssemos escolher, passaríamos por tudo de novo para continuar sendo quem nos tornamos", diz um dos personagens - e isso tudo toca na memória afetiva de uma parcela expressiva do público que vociferou nas redes sociais contra o cancelamento da atração.

É uma pena que a despedida de Sense8 tenha acontecido de forma tão precoce - principalmente sabendo o tanto de conteúdo que a série ainda tinha para explorar -, mas é um presente para os fãs ver seus oito heróis colocando um ponto final em suas jornadas. Sense8 entrega para seu público cenas belíssimas de luta coreografada e de catarse ao pôr do sol. Durante duas horas e meia, é possível se emocionar com clichês românticos, se desesperar por personagens à beira da morte que obviamente serão salvos e pular na cadeira com cenas de confronto impossíveis, mas bem filmadas. Para quem se apaixonou pela trajetória do cluster durante suas breves duas temporadas, o encerramento é a explosão de emoções que fez a série ser tão querida pelos fãs - com direito, é claro, a reprisar de forma tão sensual quanto poética sua cena mais marcante antes de dar o adeus definitivo.

Nota do Crítico
Ótimo