Séries e TV

Crítica

Sem forçação de barra, Sex Education encerra o curso sem medo do fim

Série da Netflix estabelece as bases para que nossos personagens sigam em frente — mesmo que sem nós

21.09.2023, às 04H15.

Já estivemos em Moordale por três anos. E, com ajuda de Otis, Eric, Maeve, Adam e companhia, aprendemos muito sobre sexo, do assunto mais básico ao mais tabu. Por isso, para o quarto ano, Sex Education faz um movimento inteligente: tira seus personagens tão avançados na educação sexual da zona de conforto. Na escola Cavendish, um mundo novo, muito mais esclarecido e bem resolvido, nosso grupo fica até confuso com tanta liberdade. Pela primeira vez, a série da Netflix se coloca no lugar de seu público mais quadradinho, e se mostra disposta a entender a dificuldade de se enxergar e posicionar nesse mundo fluido — por mais diverso e receptivo que ele seja. 

É um movimento curioso para o último ano de uma série, mas que aprofunda a tradição de foco difuso que Sex Education sempre teve. Não apenas Maeve está nos EUA, distante do nosso núcleo principal, como na nova escola temos novos personagens e, com eles, novas problemáticas. Os conflitos do trio popular de Cavendish — Aisha, Roman e Abbi — e a introdução de uma nova terapeuta sexual, O, chacoalham as bases. Suas construções são feitas com desenvolvimento delicado pelo qual a série é conhecida — mas isso significa, também, menos tempo para os personagens já favoritos do público. Nada disso é um problema. Sex Education, inclusive, mostra um desprendimento admirável com o peso de seu último ano, sem nunca correr contra o tempo para fechar tudo que abriu. A temporada simplesmente leva a vida em frente, nos deixando testemunhar para onde irão os personagens depois que a gente for embora.

Nessa viagem, o foco é o fim da busca e o estabelecimento de uma identidade essencial: o Eu que os acompanhará para o resto da vida. Isso quer dizer, entre muitas outras coisas, que a amizade de Otis e Eric mais uma vez é colocada em risco. Agora, no entanto, não parece algo passageiro e a incerteza parece ser benéfica: pela primeira vez, os amigos de infância questionam o que realmente têm em comum e Eric encontra um grupo com quem tem muito mais afinidade. Pode ser difícil de assistir, mas Sex Education, por mais colorida e divertida que seja, nunca fugiu de realidades complicadas. 

Enquanto o maior símbolo do tema principal da temporada é a personagem de Cal, que lida com a transição e os efeitos turbulentos da testosterona — uma jornada que examina todas as suas relações e certezas de sua vida —, a figura protagonista que melhor representa isso é Eric. E que alívio é ver Sex Education entregando a um de seus maiores símbolos um arco que faz jus a todo o seu brilho. Não me entenda mal: Eric sempre teve ótimos arcos em cada uma das temporadas. Mas é lindo assistir à série se aprofundando na sua liberdade poética para entregar ao personagem de Ncuti Gatwa nada menos do que ele merece, uma viagem espiritual cheia de personalidade — e com uma conclusão certeira. 

Por outro lado, quem perde no jogo é Jean, que com a chegada de um novo bebê enfrenta uma realidade sombria aflitiva de assistir. Lidando — ou melhor, não lidando — com os efeitos que essa nova maternidade têm em sua vida, é triste vê-la tentando equilibrar tantos pratos e não conseguir. O alívio nesse cenário é a ótima personagem de Hannah Gadsby, que entra para dar leveza à uma realidade brutal. 

Em tudo isso, o personagem que tem a jornada mais básica é o Sr. Groff. Na figura do ex-diretor da escola, Sex Education encontra o veículo para o idealismo, e enxergar de onde o personagem saiu e como ele chegou até aqui é quase hilário, mas também faz sentido. Sex Education e sua criadora, Laurie Nunn, equilibram suas duras lições com a leveza que podem, atingindo a proeza de fazê-lo sem forçar a barra. O Sr. Groff e, por consequência, Adam, desenvolvem sua relação na parte mais confortável de Sex Education, uma que acaba sendo um deleite, até porque Alistair Petrie e Connor Swindells são dois dos melhores atores da série. 

Apesar de deixar para trás um leque de personagens (Lily, Ola e mais), o quarto ano não deixa de aproveitar o que tem à disposição e nunca parece achar tarde demais para investir em uma nova história. Isso só é possível porque Nunn mantém sua impressionante capacidade de levar a narrativa para frente com pequenos relances, piscadelas, ações que se realizam com muito pouco tempo de tela: algo visível na nova relação de Vivian, na busca por resolução de Aimee, na jornada de autodescobrimento familiar de Jackson. E, enquanto possa parecer ingrato separar todos os nossos personagens em pequenas jornadas individuais, Sex Education sabe que precisa eventualmente reunir todos e, inclusive, retornar a Moordale — e o faz de forma orgânica e comovente. 

No caminho para dar desfecho a todas as jornadas, o mais memorável de Sex Education é, talvez, sua falta de medo do fim. A série da Netflix, uma que teve importância para além das inúmeras lições que deixou e se tornou um marco de produção adolescente por sua crueza e diversidade, encara o término com maturidade e desprendimento como poucos, apostando mais no “vida como ela é” do que no “felizes para sempre”. Nada mais natural. Com isso, Sex Education deixa mais uma lição: a de que nem tudo é bem amarrado, e podemos nos contentar com um caminho incerto pela frente. 

Nota do Crítico
Excelente!