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Séries e TV

Crítica

Shameless - 10ª temporada

Em sua primeira temporada sem Emmy Rossum, série tenta resgatar antigos amores para garantir sua sobrevida

28.01.2020, às 15H04.
Atualizada em 25.11.2020, ÀS 10H49

Algumas séries não se veem sem suas estrelas e preferem colocar um ponto final e não correr o risco. Outras acham que é possível continuar existindo apoiadas em outros protagonistas ou coadjuvantes. Raramente a história importa nesses casos. The O.C., por exemplo, melhorou 100% com a saída de Mischa Barton, mas o público rejeitava completamente a ideia, mesmo que os roteiros tivessem renascido das cinzas. A saída de David Duchovny de Arquivo X, contudo, foi o prenúncio de uma queda em espiral para a série. Em ambos os casos os roteiros giravam tanto em torno deles que a estranheza provocada pelas ausências não podia ser ignorada.

Shameless, contudo, sempre teve outro tipo de estrutura narrativa. A série passou suas quatro primeiras temporadas conduzindo sua trama de maneira mais dramática e com arcos centrais longos. Conforme o elenco original foi perdido, os produtores começaram a valorizar mais a “esquetização” das temporadas, colocando os personagens em trajetórias muito específicas, muitas vezes absolutamente independentes de outros regulares, para que assim o público fosse sendo condicionado a aceitar essas muitas séries em uma só, tornando possível ir liberando atores do primeiro grupo e renovando o elenco.

Muitos personagens desse grupo foram deixados pelo caminho, mas o núcleo da Família Gallagher sempre permaneceu intacto. É bem verdade que Ian (Cameron Monaghan) se ausentou por um tempo relativamente longo, mas nada nunca pareceu tão definitivo quanto a saída de Emmy Rossum que, em 2016, provocou o atraso nas negociações de renovação ao exigir que recebesse o mesmo salário que William H. Macy, que vive Frank Gallagher na série. Ela conseguiu um acordo, mas nunca foi compensada pelos anos em que trabalhou como protagonista, mesmo recebendo muito menos que ele.

Uma temporada inteira sem Fiona parecia impossível. Mas, novamente, os produtores se anteciparam e encaixaram-na numa narrativa isolada que foi fazendo-a perder a responsabilidade direta pelo estabelecimento das coisas. Ainda que Lip (Jeremy Allen White) e Debbie (Emma Kenney) não sejam tão atentos aos problemas da casa quanto Fiona era, o papel de organização foi sendo passado para eles (principalmente para Debbie) e quando a série precisou entrar na décima temporada com o desafio de mascarar a ausência de Fiona, o público já estava ligeiramente conformado com a situação. De qualquer forma, Fiona não era tão necessária assim.


Nada de novo no front

Contudo, para se protegerem da possibilidade de ver o público se afastar, os produtores também lutaram para recuperar laços com o passado. Lutaram para terem Cameron de volta ao elenco regular e junto com ele, trouxeram Mickey (Noel Fisher). A relação entre Mickey e Ian foi, durante muito tempo, um dos carros-chefe da série e mesmo que haja dezenas de poréns na forma abusiva como essa relação é descrita, é como se o amor fosse impresso em outras formas pelo próprio universo da produção e qualquer questionamento soasse fora do contexto proposto pela narrativa. Shameless sempre foi sobre mentir, trair, roubar, armar, enganar, agredir... É uma série essencialmente sobre tudo de afetuoso que pode existir além de tanta violência. Pode convencer alguns. Outros não.

Dez anos depois, nada mudou realmente na casa dos Gallaghers. Com tanto tempo no ar, temos a oportunidade de ver tudo se repetindo até mesmo na evolução de personagens infantis. Debbie e Carl (Ethan Cutcosky) começaram como crianças que olhavam para toda aquela loucura com olhos críticos e debochados. Agora, eles estão na loucura e quem faz isso é Liam (Christian Isaiah), enquanto Franny, a bebê da casa, é que aparece muda pelos cantos, testemunhando absurdos que envolvem crimes, drogas, abusos e todo tipo de coisa que pode traumatizar uma criança.

Em narrativas paralelas, vamos vendo que os roteiros ensaiam manter Lip num caminho no qual fique claro para ele que estar perto da família significa nunca sair do lugar (do contrário, porque Fiona teria ido?). Ele, contudo, resiste. Ao mesmo tempo, já estamos claramente cansados de ver Frank em romances com mulheres malucas, por mais que elas sejam ótimas atrizes, como Katey Sagal. Debbie, entretanto, demonstra potencial na descoberta de sua homossexualidade e o arco com a participação de Constance Zimmer diverte.

Curiosamente, o casal formado por Veronica (Shanola Hampton) e Kevin (Steve Howey) é o único a permanecer intacto durante toda a série. Os personagens demonstram uma incrível capacidade de passarem ilesos pelos exageros dos roteiros. Não que Veronica e Kevin não sejam tão loucos quanto. Mas, de certa forma, eles não se autodestroem o tempo todo, revelando um evidente problema com o seio da família vizinha. Veronica e Kevin são o fio de esperança em meio a tanto caos e por ficarem dentro de um limite do oportunismo, suas histórias são sempre as mais engraçadas. Os roteiristas terem conseguido protege-los por 10 anos é um feito que merece o nosso reconhecimento.

Por fim, o bom episódio final com o casamento de Ian e Mickey fez a falta de Fiona bater na porta pela primeira vez. A forma como conduziram o plot do casamento teve certa ternura e alguns pontos delicados de crítica. E foi, também, uma forma de reunir os personagens para um bem comum, depois de tantos episódios agindo isoladamente. Ao som de Ed Sheeran, o casamento teve a importância que deveria, o carinho que precisava ter, para sobrepor aos altos índices de violência que permeiam a relação do casal. Uma relação que acabou sendo sempre pautada em heteronormatividade e machismo; e que precisava do mínimo possível de sensibilidade.

Com o anúncio de que a décima primeira temporada será a última, os criadores têm um dilema nas mãos: encerram a série amadurecendo o clã ou interrompem a contação dessa história repetindo o “mais do mesmo” de sempre? Talvez seja o momento de revelar a esses personagens que não há nenhum romantismo na sarjeta e que, um dia, viver no limite deixa de ser engraçado.