Spinning Out/Netflix/Divulgação

Séries e TV

Crítica

Spinning Out - 1ª temporada

Série estreia como queridinha da Netflix, mas há uma grande distância entre seus objetivos e os resultados

17.01.2020, às 11H12.

Já faz algum tempo que as produções seriadas se tornaram referência quando o assunto é falar sobre temas delicados para a sociedade. Algumas falam disso no processo do entretenimento e outras nascem exclusivamente para tal feito. A questão é que os propósitos de uma produção precisam passar por um crivo de qualidade ou ficam esmagados por uma sucessão de equívocos e perdem seu impacto. Não importa se a lista de boas intenções de uma série é longa. Se ela não consegue organizar sua dramaturgia e seu texto de uma forma satisfatória, ela não realiza os objetivos planejados.

Spinning Out, um dos lançamentos do início de 2020 na Netflix, tem essa lista grande de boas intenções. E tem também alguns poréns no seu desenvolvimento. Criada por Samantha Stratton, a série visita um universo pouco explorado no gênero: o da patinação no gelo. Só nessa premissa estão envolvidos uma quantidade imensa de apelos pop-culturais que cativam fãs ao redor do mundo, que estão muito mais atentos aos figurinos brilhantes e saltos graciosos do que exatamente ao que está acontecendo na história. Ou, para ser mais justo, o que acontece na história em termos de fragilidade narrativa fica imperceptível diante do gelo e do glitter.

É aí no meio dessa pista de patinação que conhecemos a jovem Kat Baker (Kaya Scodelario), uma patinadora em ascensão que sofre uma queda terrível e é retirada de uma competição que muda o curso de sua vida. Para Kat, sua carreira no esporte tinha acabado. O trauma da queda a persegue e os saltos parecem uma lembrança nebulosa. Até que ela decide tentar competir em dupla, o que coloca seus sonhos de volta em pauta. O problema é que Kat tem um segredo e isso é suficiente para aniquilar seu futuro caso seja descoberto.

A vida da atleta também não é lá muito fácil. O problema maior é sua mãe Carol (January Jones, com expressões no rosto), que abandonou a carreira de patinadora na juventude, quando engravidou precocemente. Todos os sentimentos de rancor e frustração normais que qualquer pessoa teria numa situação como essa são piorados em Carol, que sofre de um transtorno bipolar severo que pode transformá-la numa pessoa capaz de coisas horríveis e imprevisíveis. Kat, talentosa e ao mesmo tempo trágica, é o alvo preferido. Já a irmã, Serena (Willow Shields), fica no meio do furacão, sendo jogada de um lado para o outro.

Uma série fria

O que é mais relevante dentro do universo de Spinning Out é exatamente sua abordagem à doença mental das protagonistas. A série ainda fala de diversidade, toca em pontos como sexualidade, abuso e racismo. Mas não vai profundamente em nenhum deles, exceto na questão do bipolarismo. Durante os primeiros episódios os rompantes de Carol são os pontos de tensão principais e a forma como ela trata Kat também é o que vai buscando os caminhos de catarse, que, infelizmente, acabam nunca vindo. Se outras séries sobre competições como Glee conseguiam tornar esses eventos em pontos de pico de comoção, em Spinning Out existe uma certa frieza em tudo, como se o gelo ganhasse outro tipo de significado.

O texto contém a maior limitação. Embora a série não esconda suas inspirações nas soap operas clássicas dos anos 90, com seus close-ups, tabefes e idas e vindas de casais, muitas vezes as cenas perdem força quando saem dos personagens frases feitas como “Nem tudo que reluz é ouro”, desenhadas para terem apelo dramático e que soam apenas de gosto duvidoso. O glamour e o excelente trabalho nas coreografias creditam pontos positivos a série, mas, para um universo tão promissor no quesito diversão, Spinning Out é, na maioria do tempo, bastante depressiva.

É evidente que com um assunto tão delicado como a doença mental era preciso ter muito cuidado. Quando Kat começa a ver seu mundo sendo afetado por uma realidade tão dura, os roteiros acertam na forma como reajustam sua protagonista a serviço de um aprofundamento, que no contexto dela funciona muito bem. Não há super nem mini valorização do tema, há a atenção que ele merece. Mas, a frouxidão da direção e a obviedade do texto atrapalham a vida útil dessa abordagem. É notório ver como a produção quer que tudo seja grande, mas mesmo os flashbacks calculados para ampliar os personagens parecem um recurso esvaziado de substância, meramente descritivo, esquelético.

A julgar pelo gancho final – extremamente estratégico, mas também bastante desonroso com os fãs – teremos uma segunda temporada logo adiante. Spinning Out tem muitos motivos para se orgulhar, mas eles se concentram em seus objetivos. Já os resultados precisam de mais atenção, para que seu impacto social e criativo derrube fronteiras e salte com coragem, ao invés de derrapar no meio da pista.

Nota do Crítico
Regular