A franquia Star Wars é sempre alvo de discussões: a ordem para ver os filmes, se a segunda trilogia é boa ou não, quais personagens merecem derivados… Os tópicos são infinitos. Com Star Wars: Visions, parece que a controvérsia se apazígua. A série animada de antologia, que dá vazão à paixão de artistas-fãs em estúdios fora da Lucasfilm, tem sido recebida com elogios como um respiro bem-vindo de devoção criativa ao universo de George Lucas.
Enquanto a primeira temporada contava com a participação de sete estúdios japoneses, o ano dois torna a celebração um esforço internacional, com nove curtas-metragens feitos em países tão distintos quanto Espanha, Irlanda, Coreia do Sul e África do Sul. Essa temporada eleva o padrão já excelente do primeiro ano ao exaltar a diversidade e as possibilidades da franquia. Cada um dos nove curtas oferece uma experiência única, mas as cores, as texturas e os clássicos sons do universo de Star Wars reunidos compõem um mosaico compartilhado de sonhos possíveis.
Os novos curtas também são marcados por acenos a várias expressões artísticas. Já no primeiro episódios, “Sith”, vemos uma antiga aprendiz do lado sombrio que troca a Força por pinturas. Em uma nave completamente branca, ela pinta o que vem à mente enquanto reflete sobre sua dualidade na Força. A beleza do roteiro do espanhol Rodrigo Blaas faz do episódio uma obra de arte penetrante.
As referências vão além, como no belíssimo “A Dançarina Espiã”, de Julien Chheng. O curta leva a arte circense como forma de resistência a um planeta dominado pelo lado sombrio. Em “Nas Estrelas”, do chileno Gabriel Osorio, outro aceno para as expressões locais de arte como forma de resistência cultural diante do Império (aqui confundido intencionalmente com o capitalismo predatório). Esse movimento é reproduzido ainda pelo americano LeAndre Thomas, que mostra no curta “O Poço” como o Império Galáctico usa do trabalho escravo para aumentar seus domínios. Abrir o leque do “império” Star Wars da Disney para os estúdios estrangeiros num panorama global gera esse interessante curto-circuito no discurso.
Muito além das referências artísticas, portanto, o que fortemente conecta os curtas do segundo ano de Visions são as mensagens políticas — que afinal de contas acompanham Star Wars desde o primeiro momento. Com exceção das vezes em que os curtas focam em lutas individuais e jornadas de autoconhecimento — que também envolvem uma compreensão da realidade da era do Império —, o lado sombrio sempre é derrotado pelo povo ou por quem veio dele. Em “O Poço”, por exemplo, vemos que o verdadeiro poder emana do povo quando stormtroopers não conseguem lidar com um levante dos moradores da cidade.
Vale notar que, individualmente, os episódios também têm muito mais a dizer. O contexto sociocultural dos estúdios que os produzem dão um toque de regionalismo muito valioso à franquia. Bons exemplos disso estão na tradicional câmera lenta bollywoodiana do curta indiano “Os Bandidos de Golak” e nas referências de povos latinos originários de “Nas Estrelas”.
E é assim, trazendo tudo o que fez Star Wars ser o que é, que Visions torna a franquia ainda mais plural. A nova temporada explora visões de vários cantos do planeta, fazendo com que muitas culturas se misturem nos episódios. Com muita qualidade técnica e amor de fã, os curtas animados mais uma vez reafirmam que, assim como o mundo real se torna mais complexo social e politicamente, o universo de Star Wars também pode estar em constante adaptação.