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Séries e TV

Crítica

Terceira temporada de The Morning Show usa o caos a seu favor

Série muda sua estrutura para se entregar à sua vocação novelesca

08.11.2023, às 17H01.

Viagens ao espaço, ataque de hackers, uma recriação do ataque ao Capitólio americano, intrigas, novos romances - acontece de tudo na terceira temporada de The Morning Show. E, de alguma forma, a série do Apple TV+ faz essa mistura caótica dar certo.

É uma estrutura que difere um pouco da incorporada nos dois anos anteriores da série, ambos bem centrados em seus temas – o primeiro no #MeToo e o segundo, no início da pandemia de covid-19. Mas a mudança mostra-se bem-vinda: em vez de colocar os seus esforços em um único assunto, a temporada se entrega a uma estrutura novelesca e episódica que, na maior parte do tempo, permite aos personagens mostrar novas facetas, enquanto o ritmo frenético do noticiário variado tende a manter o espectador fisgado.

Alex Levy (Jennifer Aniston), agora autora de sucesso e dona de um programa bem-sucedido no UBA+, o streaming da emissora, se mostra inquieta e busca ter mais voz (e poder) no dia a dia da empresa. Mas há, também, uma vulnerabilidade nela, que acaba por unir trabalho e amor. Já Bradley Jackson (Reese Witherspoon), agora âncora de um programa jornalístico noturno, se vê às voltas com uma questão que, desde o início da série, lhe foi muito cara: o que acontece, afinal, quando quem deve contar a verdade ao público não é tão honesta quanto parece?

Os arcos colocam as duas protagonistas em cenários separados por boa parte da temporada; quando elas estão juntas em cena, no entanto, The Morning Show faz dessa dinâmica a sua faísca. O relacionamento entre as duas evoluiu muito desde o primeiro ano, o que é palpável, e pelo acúmulo os conflitos entre as duas se enriquecem e se carregam mais de significados.

Cory (o sempre ótimo Billy Crudup), enquanto isso, segue ocupado com a vida no comando da emissora e suas maquinações. Desta vez, porém, ele tem a companhia do recém-chegado Paul Marks (Jon Hamm), um bilionário à la Elon Musk que mostra interesse em comprar a UBA. A partir da conexão entre os dois, a temporada se aproxima de Succession e se torna menos interessada nos bastidores conturbados do programa matutino que dá nome à série e mais nas negociatas que acontecem a portas fechadas em grandes empresas e mansões imponentes.

É um caminho que se presta bem às reviravoltas e ao tom de novelão no qual a temporada investe – principalmente porque a showrunner Charlotte Stoudt parece ter plena consciência de que não está na mesma frequência da série da HBO e de que tampouco é isso que o público de The Morning Show procura. O problema é que, nessa escolha, a produção deixa pelo caminho tramas promissoras iniciadas justamente no programa da UBA.

A mais afetada, simbolicamente, é justamente a que perpassa a discriminação de salários no programa, exposta no ataque hacker. Há uma mobilização da equipe, mas ela é deixada de lado após um comentário racista contra a nova âncora Chris Hunter (Nicole Beharie) e simplesmente não é mais referenciada, a não ser que se conte uma declaração muito breve da produtora Mia (Karen Pittman), no último episódio, sobre seu desejo de garantir o bem-estar de seu time – o que quer que isso signifique. Nisso, personagens como Yanko (Nestor Carbonell) e a própria Mia ainda perdem parte do espaço que haviam conquistado nas temporadas anteriores, embora haja, ao fim, uma promessa de que o programa dentro do programa possa voltar ao foco no vindouro 4º ano.

É uma temporada bagunçada, e isso parece inegável. Mas é, também, uma temporada que consegue deixar para trás definitivamente o fantasma de Mitch Kessler (Steve Carell), o apresentador assediador, para se concentrar em novos dramas, ao mesmo tempo em que recria com habilidade momentos históricos recentes, como a invasão em Washington e o momento em que a Suprema Corte Americana derrubou a decisão que protegia o direito das americanas ao aborto.

Na TV e no streaming, há poucas séries que conseguem se aventurar a levantar tantos pratos assim sem deixar a maioria deles cair, e The Morning Show é uma delas. Ela se entrega sem vergonha alguma ao caos, e por isso segue deliciosa de assistir.

Nota do Crítico
Bom