Se você perguntasse aos criadores de That '70s Show se eles achavam que a produção se tornaria um marco das sitcoms, é possível que Mark Brazill, Bonnie e Terry Turner dissessem não. Afinal, o humor despojado da série parecia feito para se dissipar como fumaça nas suas rodinhas de piadas internas da contracultura. O mesmo vale para That '90s Show; que esse derivado tenha prosperado apesar da mudança de época e contexto é uma prova do valor do spin-off e também do original.
Livre das amarras de um derivado nascente, o segundo ano de 90s dá um salto de qualidade tanto no humor quanto na audácia de abordar temas mais sérios ao longo dos seus oito episódios. Agora mais madura, a série não precisa mais se apoiar na produção original e consegue caminhar sozinha, mesmo que nunca deixe de respeitar a sua antecessora. Um exemplo disso é como a série lida com os aguardados retornos dos personagens de 70s - aqui, eles são uma mera casualidade, e não algo de que 90s precise para se sustentar.
Dessa vez, os jovens de Point Place precisam encarar aquilo que mais odeiam: falar sobre seus sentimentos. Enquanto Leia (Callie Haverda) e Nate (Maxwell Acee Donovan) estão receosos por quase terem ficado um com o outro e em como contar aos seus respectivos pares, Gwen (Ashley Aufderheide) descobre que não precisa guardar suas emoções mais vergonhosas para sempre. Esse enredo dura poucos episódios, mas serve como o início do amadurecimento de cada um dos adolescentes que agora dominam o porão dos Forman.
Aliás, são os dramas adolescentes que carregam os melhores momentos desse novo ano, e que desenham novas dimensões para os personagens. Esses dilemas que assombram todas as pessoas que já passaram pela puberdade dão mais realismo à sitcom, e apresentam para novas gerações assuntos que poderiam ser discutidos com mais profundidade – mesmo que utilizando do humor para isso –, como é o caso do episódio em que Nikki (Sam Morelos) desconfia estar grávida, ou quando Gwen é presa por um segurança racista.
Quanto aos veteranos Red (Kurtwood Smith) e Kitty (Debra Jo Rupp), não há muito a se falar a não ser que a dupla continua sendo a alma da série. Se na temporada anterior eles foram a principal ligação entre o antigo e o novo, dessa vez eles dão um passo adiante em seu relacionamento de anos, finalmente realizando um sonho – ainda que de forma torta. Sua dinâmica com os novatos também se desenrola de forma mais leve, sem as atuações truncadas do ano anterior, o que faz com que os líderes da família Forman tenham o destaque que merecem.
Ainda assim, mesmo com todo esse avanço se comparada à temporada passada, That ‘90s Show ainda não se arrisca demais fora do modelo consagrado. Apesar de fazer o necessário para se manter à parte, é impossível assistir à série e não se ver desejando que algumas subtramas sejam mais valorizadas, como é o caso da aceitação de Ozzie (Reyn Doi) no meio escolar ou a sua descoberta do amor. Outros dilemas de personagens ganham resoluções pouco convincentes, e este spin-off ainda fica devendo abraçar mais a “bobeira” que seu original tinha de sobra – aliás, um ótimo exemplo de como isso funciona são os ótimos momentos musicais dessa temporada, que traz até a atriz e cantora Lisa Loeb para a brincadeira.
Agora, resta saber o quanto a terceira parte da série (que será lançada em outubro pela Netflix) vai se desenvolver para que tenha a chance de mostrar mais desventuras da família Forman e os novos habitantes do porão. Ou se, assim como outras produções da plataforma de streaming, ela padecerá da maldição do cancelamento prematuro.