Embora The Crown tenha sempre se estabelecido como uma ficção histórica, não há como negar que a série de Peter Morgan entrou em um território mais desafiador a partir de sua quarta temporada, com a proximidade de eventos reais ainda muito presentes na memória do público – como são, notadamente, aqueles ligados à figura da Princesa Diana. No quinto ano da produção, esse desafio se traduz em uma falta de foco que, apesar de não comprometer o alto nível da série, prejudica seu ritmo e o desenvolvimento de algumas de suas tramas centrais.
A temporada, afinal, precisa abraçar vários elementos: as mudanças de percepções do público em relação à monarquia, as crises no casamento de Charles (Dominic West) e Diana (Elizabeth Debicki), as ambições do herdeiro para com o trono e, claro, o impacto de tudo isso sobre a rainha Elizabeth II (Imelda Stauton); sem falar da introdução do empresário Mohamed Al Fayed (Salim Daw) e seu filho Dodi (Khalid Abdalla). É bastante a conciliar, e nem todas as opções tomadas pelo roteiro dão a dimensão do impacto de seus acontecimentos.
É o que acontece, por exemplo, com a notória entrevista concedida por Diana à BBC, na qual ela disse que “havia três pessoas” em seu casamento com Charles, em referência a Camilla Parker Bowles (Olivia Williams). Há um esforço notável em reproduzir seu conteúdo e em mostrar as práticas antiéticas que levaram o jornalista Martin Bashir (Prasanna Puwanarajah) a conseguir a entrevista; no entanto, a série pouco mostra as consequências desse evento para além de alguns poucos diálogos expositivos.
É uma oportunidade perdida, visto que o que torna The Crown tão interessante é justamente a chance de não apenas reviver momentos históricos, mas encontrar um vislumbre da intimidade e da humanidade da família real britânica, por mais desligadas da realidade que sejam as questões da Coroa.
Dito isso, apesar de suas falhas, a série da Netflix está um nível acima da maior parte das produções televisivas no ar. O texto de Morgan segue elegante (às vezes até demais), mesmo quando trata de escândalos vulgares, como a infame ligação telefônica em que Charles diz querer ser um absorvente interno de Camilla. A boa escrita ajuda a minar as acusações de sensacionalismo que a série tão ostensivamente recebeu este ano.
Há metáforas pouco sutis, é verdade. Em mais de uma ocasião, são traçados paralelos entre Elizabeth, então rainha há mais de 40 anos, e o Britannia, iate real que está prestes a ser aposentado. Mas os diálogos da produção seguem brilhantes, com destaque para as conversas entre Elizabeth e Diana e entre a princesa e Charles na reta final da temporada. O roteiro também segue apresentando os membros da família real como personagens complexos e multifacetados. Entre o casal central, não há santos ou demônios; são duas pessoas feridas, tentando descobrir como seguir em frente em meio à família mais midiática do mundo.
O elenco eleva o texto. Staunton, de O Segredo de Vera Drake e Harry Potter, confere à sua Elizabeth a mesma mistura de afeto e comprometimento que suas antecessoras Claire Foy e Olivia Colman tão bem acertaram, mas traz a ela também a tristeza e o lamento de quem vem passando por tempos difíceis.
Já Elizabeth Debicki é um fenômeno como Diana. Ela capta os trejeitos da princesa com precisão e faz um trabalho impressionante de voz, desaparecendo completamente na pele de sua personagem, igualmente vulnerável e encantadora. Lesley Manville também é notável com sua Margaret, imprimindo sua marca mesmo que os novos episódios não lhe reservem tanto espaço. Dominic West cria uma presença forte e empática para Charles, embora seja inevitável um certo incômodo ao comparar o ator, conhecido principalmente como galã da série The Affair, com a figura real sem carisma que ele interpreta.
Em consonância com as inúmeras crises retratadas em 10 episódios, o quinto ano de The Crown termina em tom grave e sóbrio, preparando-se para aquele que deve ser seu momento mais trágico: a morte de Lady Di em um acidente em Paris, cujo terreno já foi semeado com retratos do assédio agressivo da imprensa a ela e àqueles a seu redor. Resta ver se Morgan e sua série conseguirão escapar ao peso da realidade ou se sucumbirão a ele.