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Crítica

The Crown perde foco com crise na monarquia, mas acerta novamente com Diana

Atuações se destacam em trama que patina (mas se recupera) ao conciliar múltiplas frentes

11.11.2022, às 16H39.
Atualizada em 11.11.2022, ÀS 17H15

Embora The Crown tenha sempre se estabelecido como uma ficção histórica, não há como negar que a série de Peter Morgan entrou em um território mais desafiador a partir de sua quarta temporada, com a proximidade de eventos reais ainda muito presentes na memória do público – como são, notadamente, aqueles ligados à figura da Princesa Diana. No quinto ano da produção, esse desafio se traduz em uma falta de foco que, apesar de não comprometer o alto nível da série, prejudica seu ritmo e o desenvolvimento de algumas de suas tramas centrais.

A temporada, afinal, precisa abraçar vários elementos: as mudanças de percepções do público em relação à monarquia, as crises no casamento de Charles (Dominic West) e Diana (Elizabeth Debicki), as ambições do herdeiro para com o trono e, claro, o impacto de tudo isso sobre a rainha Elizabeth II (Imelda Stauton); sem falar da introdução do empresário Mohamed Al Fayed (Salim Daw) e seu filho Dodi (Khalid Abdalla). É bastante a conciliar, e nem todas as opções tomadas pelo roteiro dão a dimensão do impacto de seus acontecimentos.

É o que acontece, por exemplo, com a notória entrevista concedida por Diana à BBC, na qual ela disse que “havia três pessoas” em seu casamento com Charles, em referência a Camilla Parker Bowles (Olivia Williams). Há um esforço notável em reproduzir seu conteúdo e em mostrar as práticas antiéticas que levaram o jornalista Martin Bashir (Prasanna Puwanarajah) a conseguir a entrevista; no entanto, a série pouco mostra as consequências desse evento para além de alguns poucos diálogos expositivos.

É uma oportunidade perdida, visto que o que torna The Crown tão interessante é justamente a chance de não apenas reviver momentos históricos, mas encontrar um vislumbre da intimidade e da humanidade da família real britânica, por mais desligadas da realidade que sejam as questões da Coroa.

Dito isso, apesar de suas falhas, a série da Netflix está um nível acima da maior parte das produções televisivas no ar. O texto de Morgan segue elegante (às vezes até demais), mesmo quando trata de escândalos vulgares, como a infame ligação telefônica em que Charles diz querer ser um absorvente interno de Camilla. A boa escrita ajuda a minar as acusações de sensacionalismo que a série tão ostensivamente recebeu este ano.

Há metáforas pouco sutis, é verdade. Em mais de uma ocasião, são traçados paralelos entre Elizabeth, então rainha há mais de 40 anos, e o Britannia, iate real que está prestes a ser aposentado. Mas os diálogos da produção seguem brilhantes, com destaque para as conversas entre Elizabeth e Diana e entre a princesa e Charles na reta final da temporada. O roteiro também segue apresentando os membros da família real como personagens complexos e multifacetados. Entre o casal central, não há santos ou demônios; são duas pessoas feridas, tentando descobrir como seguir em frente em meio à família mais midiática do mundo.

O elenco eleva o texto. Staunton, de O Segredo de Vera Drake e Harry Potter, confere à sua Elizabeth a mesma mistura de afeto e comprometimento que suas antecessoras Claire Foy e Olivia Colman tão bem acertaram, mas traz a ela também a tristeza e o lamento de quem vem passando por tempos difíceis.

Já Elizabeth Debicki é um fenômeno como Diana. Ela capta os trejeitos da princesa com precisão e faz um trabalho impressionante de voz, desaparecendo completamente na pele de sua personagem, igualmente vulnerável e encantadora. Lesley Manville também é notável com sua Margaret, imprimindo sua marca mesmo que os novos episódios não lhe reservem tanto espaço. Dominic West cria uma presença forte e empática para Charles, embora seja inevitável um certo incômodo ao comparar o ator, conhecido principalmente como galã da série The Affair, com a figura real sem carisma que ele interpreta.

Em consonância com as inúmeras crises retratadas em 10 episódios, o quinto ano de The Crown termina em tom grave e sóbrio, preparando-se para aquele que deve ser seu momento mais trágico: a morte de Lady Di em um acidente em Paris, cujo terreno já foi semeado com retratos do assédio agressivo da imprensa a ela e àqueles a seu redor. Resta ver se Morgan e sua série conseguirão escapar ao peso da realidade ou se sucumbirão a ele.

Nota do Crítico
Ótimo