Quando escolheu estender The Crown até uma sexta e última temporada, o criador da série, Peter Morgan, se colocou em uma posição complicada. Afinal, a história da família real britânica começaria a se aproximar do presente e das manchetes que muitos dos seus espectadores têm frescas na memória, muitas delas destacando uma terceira geração da realeza, capitaneada pelo príncipe William. É um equilíbrio delicado entre um relato de memória e a realidade do sensacionalismo dos tabloides.
Após quatro capítulos bem desenvolvidos em torno dos últimos dias de Diana (Elizabeth Debicki), os seis episódios finais se desdobram para abraçar uma miríade de assuntos: a relação da própria rainha Elizabeth II (Imelda Staunton) com as questões da Coroa; a ambivalência dela em relação ao primeiro-ministro reformista Tony Blair (Bertie Carvel); a ida de William (Ed McVey) para a universidade e o subsequente início de seu relacionamento com Kate Middleton (Meg Bellamy); e, bem, a vida dos demais membros da realeza.
Embora retome a estrutura episódica que consagrou The Crown, Morgan não mantém todas as bolas no ar o tempo todo, o que fica especialmente claro no penúltimo episódio, “Hope Street”. Assisti-lo prova-se uma verdadeira maratona: no capítulo estão inscritos não só todos os temas acima mencionados, como também há um breve retorno de Mohamed Al-Fayed (Salim Daw), pai de Dodi. Após quatro episódios escanteado, ele volta repentinamente para acusar a família real do envolvimento na morte de Diana e de seu filho.
Essa sensação de saturação infelizmente se repete em outros momentos da temporada, e o melhor exemplo talvez seja o tratamento dado ao príncipe Harry (Luther Ford): o filho mais novo de Charles e Diana não ganha uma história própria, e o roteiro opta, na maior parte do tempo, por apenas inserir diálogos com alusões a sua fama de garoto-problema e suas desavenças com o pai. Uma exceção acontece no capítulo final, que retoma um episódio infame da vida do jovem príncipe – mas, mesmo assim, o conjunto pouco acrescenta a ele como personagem.
Quando toma tempo para voltar às origens e se debruçar especialmente sobre Elizabeth, no entanto, The Crown mostra que ainda tem muito a dizer. A rainha que recupera protagonismo nesta leva final é uma rainha exausta, mas ainda imbuída de seu senso de dever, que começa a lidar com uma série de perdas profundamente pessoais e a se questionar sobre sua própria mortalidade e seu legado.
O oitavo (e melhor) episódio da temporada, “Ritz”, é particularmente feliz nesse quesito, ao recuperar o relacionamento entre a rainha e sua irmã Margaret (Lesley Manville, ótima), tão central nos dois primeiros anos da série. Passeando entre o presente e o passado, o episódio retoma uma lembrança especial da juventude de ambas para mostrar como, entre divergências e momentos de afeto, as duas sempre foram inseparáveis – e não estão prontas para se despedir uma da outra. É uma construção agridoce, que dá o pontapé nos questionamentos internos de Elizabeth.
Tais questionamentos se estendem inevitavelmente ao finale, que coloca a monarca para lidar diretamente com os arranjos para seu próprio funeral, uma trama que ressoa ainda mais à luz da morte de Elizabeth II, em 2022. The Crown não menciona o falecimento da rainha diretamente, já que encerra sua trama no início dos anos 2000, mas se reveste de uma reverência adicional em seus últimos momentos, em uma forma de prestar a devida homenagem àquela que sempre foi sua figura central. O tom é deliberadamente solene, mas não piegas, e embora Morgan não ofereça uma reparação completa à injustiça de ter deixado Elizabeth no banco do passageiro por tanto tempo, ele encerra de forma comovente a trajetória da série – com a sensação de dever cumprido, tal qual sua protagonista.