Quando estava chegando de mudança para Los Angeles, Nathan Fielder, protagonista e um dos criadores de The Curse, passou por uma interação que ficou em sua cabeça por anos e anos: uma mulher lhe abordou na rua e pediu dinheiro depois de vê-lo sair de um caixa eletrônico. Fielder negou e a mulher lhe disse: “Eu te amaldiçoo”. Já Benny Safdie, cocriador da série, tirou inspiração de sua própria obsessão por programas em que casas são construídas ou reparadas.
The Curse uniu as duas coisas: o casal Asher (Fielder) e Whitney (Emma Stone) são apresentadores de um programa chamado Flipanthropy, que constrói “casas passivas” nas periferias da cidade de Española, no Novo México. O conceito desse tipo de casa inclui uma estrutura autossustentável, ecológica e invisível, já que é revestida de espelhos que refletem seu entorno, tornando-a quase imperceptível para quem não olha atentamente. Ao contrário da maioria desses programas – em que as casas das pessoas são reformadas – em Flipanthropy o objetivo é construir as casas e depois vendê-las para a própria comunidade.
Asher e Whitney são personagens ficcionais, mas há quem diga que eles foram inspirados no casal Chip e Joanna Gaines, apresentadores do programa Fixer Upper’s. Em The Curse, Asher e Whitney “invadem” a comunidade de Española e tumultuam as vidas dos moradores indígenas. Já na vida real, Chip e Joanna foram acusados de afetar e deteriorar a qualidade de vida de Waco, no Texas, onde o programa era gravado. Outra das acusações era de que mesmo numa cidade 20% preta e 30% latina, quase todo mundo que era escolhido para aparecer no programa era branco.
O casal de Flipanthropy, contudo, não começa The Curse como um casal de estrelas. A exemplo de outra criação de Fielder, O Ensaio, a ideia é acompanhar um processo criativo do início; aqui, o programa do casal está ainda na fase do piloto e o orçamento é mínimo. A trama envereda pela maldição do título quando, no meio das filmagens, Asher é abordado por uma menina que lhe vende refrigerantes num estacionamento. Asher é aconselhado pelo produtor Dougie (vivido por Safdie) a encenar para a menina que está comprando os refrigerantes, mas ele só tem uma nota de 100 dólares na carteira. Asher paga diante das câmeras e não pede o troco, mas com a filmagem desligada ele pede o dinheiro de volta para a criança. O que recebe de volta em seguida é um “Eu te amaldiçoo”.
Existe uma maldição?
Como seria de esperar de Fielder, comediante que faz do desconforto seu motor criativo, tudo em The Curse parece deslocado e incômodo. Quem já teve sua cota de vergonha alheia cumprida com The Office vai entender o movimento, e The Curse assume-se realmente uma comédia quando Asher e Whitney se prestam a todo tipo de ridículo para continuar filmando os episódios.
Se além de conhecer Fielder você já viu os filmes dirigidos por Benny com seu irmão Joshua, como Bom Comportamento e Joias Brutas, então já deve imaginar que não há um fator de redenção à espera do casal protagonista no final dessa vala existencial. A série faz um trabalho impecável na ilustração tosca da relação medíocre que eles têm com o programa que criaram. Asher é antipático, desinteressante, pernóstico; Whitney – que é mais “gostada” pelos grupos de discussão do programa – suga o ar de todos em volta com sua ansiedade grotesca de ser bem-sucedida como artista.
O problema, aqui, é comprar a ideia inicial que The Curse seria vendida não como uma série sobre programas que renovam casas, e sim como uma série sobre uma maldição. Ainda que haja uma construção interessante da maldição como interpretação direta das paranoias de Asher, a série insiste em enredar o espectador com uma falsa promessa de evolução desse plot. Chega um momento da temporada de 10 episódios em que vai se tornando necessário aceitar que aquela trilha sonora soturna que preenche sequências como se o “tubarão” fosse sair da água é apenas uma distração. Até o episódio 9, absolutamente nada é resolvido - o que não deixa de estar em sintonia com o modus operandi dissociativo de Fielder.
Sim, a "maldição" existe
Abaixo da superfície em que estão o programa e as aspirações individuais do casal, reside a fragilidade de um casamento tão encenado quanto os episódios que eles produzem. Asher é um marido mesquinho e submisso, que idolatra a esposa, mas que deteriora os sonhos dela com gambiarras muitas vezes criminosas. Whitney acha que precisa encenar a felicidade do casamento como encena os sorrisos constrangidos que dá aos participantes do programa. Ele finge que a respeita, mas não respeita. Ele faz tudo que ela manda, mas o preço é o sequestro mental. Ele não é capaz de fazer sexo com ela, mas fantasia outros homens fazendo.
Existe um ponto da série The Curse em que Whitney tenta se libertar... Existe o ponto em que ela desiste... Existe Asher em plena atividade manipuladora... Existe Asher em processo de mea culpa... Tudo é bom, ruim, claro, obscuro; tudo na série é contradição. E durante muito tempo achamos que a narrativa está perdendo tempo com aquela bobagem pseudo-sobrenatural, justamente porque ela desvia as nossas percepções do quanto aquele casamento está apodrecido. Mas, então, chegamos à metade do último episódio e, bem, muita coisa passa a fazer sentido.
Sem entregar muito, digamos que o olhar de Whitney se perde no infinito e Emma Stone consegue fazer com que toda a trajetória da personagem passe na opacidade daqueles olhos. Se não estava claro antes, então o desfecho pontua a lógica do absurdo em que a série está operando, e tudo em The Curse muda. Quando esse último episódio termina, a maioria das perguntas não foi respondida; a maioria dos personagens não foi situada; quase todas as tramas carecem de um fim. Mas, nós temos aquele final. E aquele final vai ficar na sua cabeça – amando ou odiando – para sempre.