Kaley Cuoco em cena da 2ª temporada de The Flight Attendant (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

The Flight Attendant derrapa no mistério, mas ainda ganha o jogo com o drama

História de Cassie é envolvente, mesmo que série abuse de quase todos os coadjuvantes

26.05.2022, às 14H46.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

A segunda temporada de The Flight Attendant é uma história sobre como, para funcionar como pessoa adulta, é necessário um tipo de autoaceitação radical que parece impossível na adolescência ou juventude. Em oito episódios, a produção da HBO Max expõe a falácia da maior parte das narrativas de autoaperfeiçoamento às quais a contemporaneidade insiste em nos expor, e busca encontrar a linha tênue entre o que podemos fazer para não machucar as pessoas ao nosso redor, e o que não conseguimos mudar em nós mesmos. Curiosamente, uma das chaves para alcançar a primeira dessas coisas é justamente aceitar a segunda.

Nesse sentido, esta é uma ótima temporada de televisão, um ótimo pedaço de narrativa. O “problema” é que há outras The Flight Attendant se metendo no meio dessa história, e elas não são nem perto de tão seguras de si mesmas. Seguindo a deixa da primeira temporada, aqui reencontramos Cassie Bowden (Kaley Cuoco) morando em Los Angeles, um ano sóbria, e trabalhando simultaneamente como comissária de bordo e informante civil da CIA. Após uma missão caótica em Berlim, no entanto, ela se vê envolvida em (mais) uma conspiração internacional - tudo enquanto precisa lidar com uma miríade de outras intrigas e problemas pessoais.

Se você achou a trama de espionagem da primeira temporada meio “fora da caixinha”, bom… Você não está preparado para esta segunda. The Flight Attendant aposta altíssimo no absurdo, nos clichês novelescos, na blitz de tribulações que invadem a vida de Cassie, todas ao mesmo tempo. A temporada até faz do toque de celular da protagonista uma piada recorrente, chamando a atenção para as dúzias de vezes em que ela está no meio de descascar algum abacaxi só para receber outro, com a casca ainda intacta, pelo telefone.

Visualmente, a força motriz da temporada é a diretora Silver Tree (Você, Disque Amiga Para Matar), que assina cinco dos oito episódios. Por cima da linguagem direta e dinâmica da primeira temporada, ela só faz adicionar influências: histórias em quadrinhos, por exemplo, são importantes para a 2ª temporada de The Flight Attendant, com todas as suas telas divididas e cenas exibidas de múltiplos ângulos; e há algo de sofisticação surrealista na forma como ela aborda os delírios de Cassie e as conversas imaginárias que ela tem com várias versões dela mesma.

De certa forma, esta é uma continuação que adota a filosofia clássica das continuações: fazer tudo de novo, e fazer tudo maior. O criador Steve Yockey e seu time de roteiristas claramente querem repetir a magia que transformou a primeira temporada em um dos maiores hits originais da HBO Max, buscando a mesmíssima mistura de fantasia, drama de personagem e thriller barato que funcionou tão bem nos episódios anteriores, e apostando ainda mais fichas em cada uma dessas facetas. Maior nem sempre é melhor, no entanto.

Ao se atirar na direção de todos os percebidos elementos do seu próprio sucesso, The Flight Attendant paradoxalmente expõe a fragilidade de algum deles. Aqui, é muito mais claro como a estrutura de Agatha Christie precarizada dos mistérios apresentados pela série instrumentaliza coadjuvantes com potencial para se tornarem muito mais dentro da trama, se ela permitisse. As novatas Cheryl Hines e Mae Martin, particularmente, sofrem com isso, mas a temporada também faz pouco com o Shane de Griffin Matthews e o Davey de T.R. Knight (talvez não coincidentemente, os dois personagens gays da trama).

De fato, com a exceção de Cassie, só o casal formado por Annie (Zosia Mamet, ainda a melhor coisa da série) e Max (Deniz Akdeniz) ganha espaço para respirar e articular uma jornada emocional que se entrelaça com, mas não serve apenas à história da protagonista. Sharon Stone, contratada para apenas uma trinca de cenas na temporada, provoca impacto por sua subversão inteligente do clichê da mãe monstruosa, mas é difícil argumentar que ela tem tempo ou espaço para construir uma personagem de verdade.

No fim das contas, The Flight Attendant vive e morre pelo quanto o espectador está enredado nos dramas e na evolução de Cassie. Ajuda que a série nunca perca essa evolução de vista, e que a trate com cuidado e insight indetectáveis em outros cantos do roteiro; e ajuda, é claro, que Kaley Cuoco se entregue tão completamente à personagem, bancando as reações extremas de trauma que ela precisa expressar em certos momentos, fazendo-a crível mesmo em meio a uma série que assume riscos tonais que nem sempre é capaz de apoiar.

Por enquanto, a história de Cassie é tocante e real o bastante para segurar o interesse por The Flight Attendant. No futuro, no entanto, a série deveria pensar com mais carinho no que fazer com todas as histórias que coloca ao redor dela.

Nota do Crítico
Bom