Para aqueles que, justificadamente, cogitaram abandonar a história June Osborn (Elizabeth Moss) ao longo de excruciantes temporadas que pareciam se arrastar em torno de inevitável desesperança, a quarta temporada de The Handmaid's Tale indicou que a espera valeu a pena, entregando finalmente a libertação da protagonista de Gilead e o catártico início de sua jornada de vingança. Agora, o quinto ano da série confirma com maestria o reencontro do showrunner Bruce Miller com a potência original da narrativa e eleva as expectativas para a próxima e última temporada que virá.
No primeiro episódio reencontramos June coberta de sangue - como ela, inclusive, passará boa parte da temporada - voltando para seu marido e filha depois da execução de Fred Waterford (Joseph Fiennes). Na medida em que percebe que suas ações não terão as consequências esperadas, a protagonista é explorada ora em termos de seu estresse pós-traumático e da brutalidade herdada pelos anos de abuso, ora em termos de sua tentativa de se agarrar ao que restou de sua humanidade e compaixão. Nossa heroína, aqui, aparece em constante conflito interno sobre qual versão de si mesma poderá melhor proteger sua família, assombrada pela culpa de ter deixado sua filha Hannah (Jordana Blake) para trás.
Ao mesmo tempo, Serena Joy (Yvonne Strahovski) está sozinha, viúva e grávida, na posição de compreender qual seu papel diante da nova relação de forças que se desenha, liderada pelo Comandante Lawrence (Bradley Whitford). Se por um lado Serena resiste em abdicar da esfera de influência de seu falecido marido, por outro ela se vê cada vez mais contaminada pelo gosto da liberdade vivida em Toronto - quiçá, também, pelo próprio impacto de sua arqui-inimiga em sua vida. Strahovski, sem dúvida, faz excelente proveito da oportunidade de complexificar a experiência da personagem - um ponto alto da temporada. Agora considerada por sua pátria distópica com base em seu valor estratégico enquanto uma mulher fértil, Serena testará os limites de suas crenças e sua lealdade ao projeto de Gilead em nome do futuro de seu filho e, no caminho, encontrará logo em June sua única aliada possível.
A dura ironia que aos poucos desloca Serena para o papel da vítima e leva June a questionar seus próprios valores e limites é o fio condutor da temporada e é, para ambas, um caminho tortuoso transmitido ao público através de paralelos e flashbacks que confrontam as atuais circunstâncias da ex-Sra. Waterford com a desesperadora condição das Aias de Gilead. Percebendo-se como antagonistas, mas também como iguais, June e Serena - identicamente obcecadas com suas responsabilidades e deveres enquanto mães - precisarão enfrentar uma à outra e a si mesmas para reconstruir suas vidas e superar os traumas do passado. É a essa difícil tarefa que se dedica boa parte da produção.
Embora o quinto ano da série se desenrole essencialmente em Toronto, cidade que a princípio recebe cidadãos americanos refugiados, Miller amarra passado e presente da narrativa com destreza ao suscitar em personagens-chave novas sementes de revolta e ruptura - principalmente no agridoce processo de redenção de Tia Lydia (Ann Dowd), marcado pela brutal realidade revelada por Janine (Madeline Brewer) e Esther (McKenna Grace). É evidente também para os tomadores de decisão de Gilead que as coisas não podem permanecer como estão enquanto ampliam esforços para aumentar sua inserção internacional e lapidar a República Divina para o futuro.
Para aqueles de nós que pensavam que o infortúnio de June tinha finalmente chegado ao fim, a temporada se encaminha para o final em tom de alerta e explicita, como nunca, a relevância fundamental da crítica que subjaz toda a adaptação de Margaret Atwood: todo lugar pode se tornar Gilead. A frágil tentativa de reconstrução das vidas dos refugiados da "Little America" é colocada em cheque pela disseminação da intolerância e da xenofobia, novos temas adicionados ao lado dos direitos reprodutivos e igualdade de gênero no arcabouço da série, já famosa por aludir a situações extremas nas quais qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência.
Nos despedimos mais uma vez de June diante de um futuro de incerteza e insegurança. Resta saber se o espetáculo de talento de Moss e Strahovski será suficientes para sustentar a temporada final, ou se a produção repetirá os mesmos erros do passado, tendo aberto portas demais neste último ano com pouco tempo para lidar com todas elas. Não há dúvidas de que se consolida uma nova fase d'O Conto da Aia, enriquecida pela possibilidade de outros - ainda que tenebrosos - horizontes para além das fronteiras de Gilead. Apesar de quaisquer deslizes de repetição ou timing, o saldo é de um capítulo de novas advertências, como sempre, desconfortáveis e necessárias.