[Atenção: este texto contém um spoiler da quarta temporada de The Handmaid’s Tale]
Quando a terceira temporada de The Handmaid’s Tale terminou, em 2019, a impressão era de que a série havia deixado a jornada de June (Elizabeth Moss) estacionada em um ciclo de sofrimentos. Por três vezes, afinal, ela chegou muito perto de escapar de Gilead, mas não conseguiu --seja por seu desejo ou por razões alheias a sua vontade.
Felizmente, a quarta temporada rompeu com essa lógica, dando novo fôlego à série e se permitindo explorar novas questões e novos ângulos de sua protagonista. E o showrunner Bruce Miller fez isso da melhor maneira possível para este momento da produção: tirando June de Gilead.
Com a sua chegada ao Canadá, na metade da temporada, The Handmaid’s Tale pôde finalmente se debruçar sobre o real impacto dos traumas da personagem. June sofreu horrores inimagináveis por anos, e eles não param de existir quando ela, por fim, reencontra uma certa normalidade, em um país onde é livre e onde finalmente pode se reunir com seu marido Luke (O. T. Fagbenle) e amigas como Moira (Samira Wiley) e Emily (Alexis Bledel).
Por mais que tenha saído de Gilead, June foi profundamente transformada por sua experiência lá. Ela não é a mesma pessoa separada de seu marido anos atrás --e ela tem muita raiva, justificadamente. Essa fúria é a força motivadora de June pela segunda metade da temporada, e a guia em um processo doloroso para retomar o controle que lhe foi tirado tantos anos antes.
Isso resulta em cenas incômodas de se assistir, mas também fascinantes, já que June testa os próprios limites e também os do público. Afinal, nós podemos não concordar com tudo o que ela faz, mas é quase impossível não compreender seus motivos, principalmente após a série nos colocar tanto tempo em seu lugar.
Essa ambiguidade é um dos grandes trunfos da temporada, que, em uma jogada inteligente, faz referências claras a momentos que vieram antes, invertendo (ou subvertendo) as posições em que seus personagens haviam sido colocados antes. A recompensa vem em um final catártico, que abre um leque de possibilidades interessantes.
Muito disso se deve, também, à atuação de Elizabeth Moss, que mais uma vez entrega um trabalho intenso e cheio de nuances, que nos torna cúmplices de June --um feito ainda mais impressionante quando se considera que ela também dirige três episódios desta quarta temporada.
Yvonne Strahovski, a Serena, e Joseph Fiennes, o comandante Fred Waterford, são os outros grandes destaques do elenco. Os dois atores voltam a ganhar mais tempo de tela, e é um prazer ver como a dinâmica entre seus personagens se alterna ao longo dos episódios.
Temporada enxuta
No caminho, a trama deixou para trás algumas boas ideias, como a questão da adaptação das crianças resgatadas de Gilead, indicada logo nos primeiros episódios. No geral, no entanto, The Handmaid's Tale se beneficiou muito da temporada mais enxuta imposta pela pandemia (em vez dos 13 episódios tradicionais, foram 10) e conseguiu avançar em um bom ritmo.
Ao fim, a quarta temporada ficará como uma das melhores da série, logo depois da primeira. É um retorno à forma mais do que bem-vindo --e pode ser também uma boa porta de (re)entrada para quem havia desistido de acompanhar June.