Primeira série live-action da franquia Star Wars, The Mandalorian tinha uma missão ingrata pela frente. Além de ser apresentado como o carro chefe do então recém-anunciado serviço Disney+, o programa ainda tinha que restaurar a confiança do público na franquia, que lançou três filmes que dividiram opiniões de forma seguida. Com pouquíssimas informações sobre a trama, a produção surpreendeu já em sua estreia, em novembro de 2019.
Diferentemente de Rogue One ou Han Solo, The Mandalorian não tentou esticar curtas passagens de Uma Nova Esperança na tentativa de entregar um fan service imediato. Ao invés disso, Jon Favreau, criador e showrunner do programa, se baseou no chamado Universo Expandido – nome dado às histórias contadas em livros, séries, jogos e quadrinhos que não estão no cânone oficial – e em Boba Fett, um dos personagens mais populares entre os fãs da Trilogia Original. Aliado a um exército de diretores assumidamente nerds, como Dave Filoni (Star Wars: Clone Wars), Debora Chow (Jessica Jones) e Taika Waititi (Thor: Ragnarok), o produtor construiu uma história que se encaixa perfeitamente na galáxia criada por George Lucas, sem necessariamente se apoiar nela o tempo todo.
Afastando-se do clima de novela que a Saga Skywalker abraça desde 1977, a produção encontrou sua base em faroestes típicos dos anos 1960, como Por Um Punhado de Dólares ou Três Homens em Conflito. Fazendo referência às lutas em saloons e encaradas antes de saques de pistola, The Mandalorian ainda explorou cantos mais “sujos” de Star Wars, mostrando planetas, civilizações e criaturas longe dos holofotes políticos e das batalhas monumentais da saga. Esse distanciamento, porém, ajuda a série a agradar tanto recém-chegados à franquia, que vão sendo apresentados aos seus conceitos de maneira mais intimista, quanto aos fãs mais fervorosos, que recebem a necessária dose de referências em cada cena do primeiro ano.
Essa expansão da franquia seria impossível, é claro, sem os personagens criados por Favreau. Mesmo personagens secundários como Cara Dune (Gina Carano) e Kuiil (Nick Nolte) são aprofundados de maneira natural e eficaz nos episódios que aparecem. Mas nada na série se compara à presença de Mando e ao peso que ele traz às cenas. Vivido por três atores diferentes (Brendan Wayne e Lateef Crowder atuaram na armadura na maior parte do tempo, com Pedro Pascal fornecendo a voz), o protagonista torna suas emoções visíveis sem jamais precisar mostrar o rosto, em um feito comparável ao de Darth Vader da Trilogia Original.
Embora tenha surgido no primeiro episódio como um simples MacGuffin (objeto a ser perseguido pelo protagonista), o Baby Yoda/A Criança, estrela secreta de The Mandalorian, assume um papel muito mais importante trama. Ao longo destes oito primeiros capítulos, o bebê de 50 anos se torna não só o fio condutor da narrativa, com Mando viajando a galáxia tentando protegê-lo, mas também a razão do público simpatizar cada vez mais com o mandaloriano, que cresce como personagem graças ao seu envolvimento com a fofa criatura.
Assim como qualquer outra produção live-action atrelada a Star Wars, The Mandalorian também se destaca na criação de seus ambientes. Mais uma vez misturando efeitos práticos com computação gráfica, as filmagens utilizaram-se de imensas telas de LED para criar sets imersivos que, ao contrário da agora infame “tela verde”, permite que os atores vejam os cenários adicionados na pós-produção.
As limitações criadas pelo orçamento televisivo também resultaram em opções criativas por parte dos diretores. Tiroteios em ambientes internos, confronto entre grupos pequenos e o uso do mínimo possível de máquinas como AT-ST ou cargueiros imperiais reforçaram a impressão de estarmos no submundo da galáxia e serviram como uma dose nostálgica das dificuldades enfrentadas por Lucas na produção do longa de 1977.
Embora esteja regado de referências, The Mandalorian nunca deixa o fan service tomar a frente da história nem tirar o destaque do bom trabalho de seus diretores, roteiristas e elenco. Canonicamente significativa para o universo Star Wars, a primeira temporada da série enfim justificou o hype por novas adições à franquia e estabeleceu um patamar bem alto para outras produções originais da Disney+.