No início de 2018, Ryan Murphy anunciou o vencedor da batalha pelo direito de tê-lo no casting de uma poderosa plataforma de streaming: a Netflix. Um milionário acordo de 300 milhões de dólares resultou na ida do produtor e roteirista para o time da gigante. Bastaram alguns meses para os primeiros anúncios de projetos começarem a surgir e The Politician foi prometido como uma sátira política que mostraria pela ousada perspectiva de Murphy como funcionam os valores políticos americanos. A série teria co-criação de Brad Falchuk e Ian Brennan, os mesmos que estiveram com ele em Glee, o que também já antecipava qual seria o tom do projeto.
A última vez que os três estiveram juntos numa produção foi em Scream Queens, que a Fox cancelou após a segunda temporada. Se em Glee a necessidade de acalmar o exagero teatralizado do texto era essencial para que o público se identificasse com as dores dos excluídos da escola, em Scream Queens os três escreviam para o gênero slasher, que já é originalmente inverossímil. O resultado foi o descontrole total dos níveis de surrealismo sempre tão presentes no trabalho deles. Scream Queens passou de uma primeira temporada provocativa e interessante, para uma segunda temporada tosca, bagunçada, desnecessária. As vozes do trio de roteiristas são altas demais em alguns momentos e para que não estourem os tímpanos da realidade, precisam de uma boa amarra humana.
The Politician tem muitas razões para funcionar num âmbito mais realista. Estamos num momento em que a sociedade americana luta para que o voto (que lá nos Estados Unidos não é obrigatório) seja parte dos deveres conscientes de cada cidadão. Murphy, que tem um trabalho árduo em fazer com que sua obra seja engajada, criou imensas expectativas quando anunciou um produto que falaria justamente sobre política. Estava estabelecido o contraste, então. O roteirista tinha muito a dizer, precisava que todos ouvissem. Ao mesmo tempo, quando reunido com seus parceiros, não resiste ao exagero e ao excesso de alegorias. The Politician resultou em uma série com muitas coisas importantes a serem ditas, mas incapaz de garantir que o espectador tenha paciência de enfrentar o que fosse necessário para ouvir. E o pior: para um produto sobre política, com a marca Ryan Murphy, a política em The Politician é excessivamente... correta.
Politicagem
Ben Platt é um trunfo. O ator vive Payton, um jovem adotado por uma família rica e que sonha em ser presidente dos Estados Unidos. A ideia da série é justamente mostrá-lo a cada temporada numa disputa diferente, até a última, que revelaria a campanha para o almejado cargo da Casa Branca (segundo a Netflix, cinco anos seriam necessários para isso). Essa pseudo-antologia começa, então, com a briga de Payton para vencer a disputa pela presidência do grêmio estudantil do abastado High School onde estuda. O protagonista é defendido por Platt com uma segurança abismal; e com uma compreensão imensa de quem ele é também. A grande primeira alegoria exagerada de Murphy é justamente aquela que envolve os ricos. Entediados, frios, entorpecidos e conservadores, quase sempre, sem exceção. Como acontece com clichês e estereótipos, há uma boa dose de verdade nisso, mas o texto às vezes vai tão longe nessa representação que começa o efeito colateral do afastamento afetivo.
A morte de seu amigo e amante River (David Corenswet), joga Payton num abismo de desajuste sentimental que vai piorando a cada nova decisão cretina que é tomada no intuito de vencer. Os dois, que viviam um amor escondido, são resultado de uma insistente bandeira de aparências que resiste aos séculos e Murphy vai construindo a ideia de que a ligação entre péssima política e péssimos políticos, nasce no minuto em que eles escolhem não serem “de verdade”. Tudo é uma questão de fingir na realidade da série, o que encontra seu apogeu na relação entre Infinity (Zoey Deutch) e a vó Dusty (Jessica Lange) — que remete imediatamente à história de Gipsy Rose e a mãe Dee Dee Blanchard, que obrigava a filha a parecer doente para conseguir atenção e coisas gratuitas, de jantares a imóveis. Todo esse fingimento vai se estendendo para todos as tramas, indo desde a ex-prostituta vivida por January Jones até o casamento infeliz da mãe de Payton, vivida por uma carismática Gwyneth Paltrow.
Os elementos principais da série se montam no primeiro episódio de modo realmente brilhante. É impossível não pensar em Glee, não só porque esse é um ambiente adolescente (ainda que todos pareçam já ter 30 anos), mas porque se estamos numa comédia, escrita por Murphy, Falchuk e Brennan, no meio de um high school, é inevitável perceber um tom ácido no humor, que critica e ridiculariza tudo que cerca essa padronização do comportamento americano conservador. Além, é claro, de uma sequência comovente em que os talentos musicais de Platt são colocados em pauta na homenagem ao som de River, de Joni Mitchell.
Do primeiro episódio em diante a série cai numa espiral de recorrências tolas em enredos sobre disputas e competições. Para uma série de apenas oito episódios a presença de uma “barriga” narrativa é bastante alarmante. Há momentos interessantes como a brincadeira com A Garota Exemplar ou com o musical sobre tentativas de assassinar presidentes, mas com exceção do ótimo mini-episódio todo centrado num eleitor indeciso que é o retrato brutal da juventude de classe média americana, o miolo de The Politician é cansativo. Estranhamente, a promessa de satirizar a política contemporânea resultou num retrato inofensivo de como a política funciona desde sempre. As armações e extremos prometidos por um trailer caótico resultaram numa série que não foi tão longe assim. The Politician não incomoda ninguém.
Isso até chegarmos ao episódio final, esplêndido, com Judith Light e Bette Midler no centro das atenções, num contexto surpreendente, repleto de grandes possibilidades, que reúne em pouco mais de uma hora, tudo que a série não entrega na maioria dos episódios. Então, com apenas três episódios realmente notáveis (1, 5 e 8), The Politician não soa como uma oportunidade bem aproveitada. Não é uma série ruim, mas é desorganizada, incapaz de fluir com equilíbrio entre a verdade e a alegoria ou entre a ousadia e a recorrência. Aqueles que a terminam sabem que bastam esses três grandes episódios para que a série seja muito mais brilhante do que muitas que estão por aí celebrando suas zonas de conforto. Mas, estamos falando de Ryan Murphy...