The Walking Dead é um dos casos mais interessantes da TV moderna - nem tanto pelo seu enredo mas sim pela jornada de quase dez anos, em que passou de uma das mais prestigiadas séries do momento para um sinônimo de má gestão e desenvolvimento a longo prazo. A nona temporada, dando sequência à uma das mais tediosas do programa, já não carrega quase expectativa alguma - e é nessa posição de fora dos holofotes que a produção abraça a ideia de que mudanças são necessárias. O resultado é um passo certo na direção de reerguer o que um dia foi um fenômeno do entretenimento.
A trama colabora bastante com isso. Após ter resolvido os conflitos com Negan (Jeffrey Dean Morgan) e seus Salvadores, Rick (Andrew Lincoln) e os demais sobreviventes agora precisam pensar em como concretizar sua visão de uma nova sociedade. Por si só é uma abordagem mais pessoal, e na ausência de um grande vilão, os primeiros capítulos apresentam um novo ritmo narrativo ao se focar no aspecto político do apocalipse, ressaltando o quão diferentes são as ideias de cada líder para suas comunidades. Trazer a tona as disputas emocionais e relações interpessoais dos personagens é marca registrada de Angela Kang, roteirista de alguns dos episódios mais criticados - como "Swear", focado em Tara (Allana Masterson) conhecendo Oceanside - mas que agora tornou-se showrunner do seriado. Se antes ela era conhecida por escrever fillers de dar sono, aqui ela demonstra seu potencial e habilidade com uma temporada inteira sob seu comando.
É possível observar o nono ano como dois arcos que se complementam, cada vez aumentando em intensidade: o primeiro dedicado à mudanças e perdas brutais, como o afastamento entre os sobreviventes e também as tão-faladas saídas de Rick e Maggie (Lauren Cohan); já o segundo explora o surgimento dos Sussurradores e a eficiência de seus ataques em meio à comunidades fragmentadas e fracas. É uma forma muito mais sutil de trabalhar a premissa da série, e enquanto muitos elementos podem parecer cansativos de início, é impressionante como quase tudo é explicado e amarrado em sua conclusão. Basta reassistir para perceber como desde o início se trata de uma história sobre o perigo de exaltar as diferenças, e a importância de deixá-las de canto em pró da união.
Já as partes que ficam incompletas chegam com um enorme aviso de que a AMC tem planos grandiosos para o programa: por exemplo a saída de Rick, que norteia muitas das motivações do restante dos personagens mas é realizada de forma morna e pela metade, será completada apenas através de uma trilogia de filmes - sem data de estreia até o momento. Fear the Walking Dead - agora parte integral desse universo - também deve tapar mais desses furos propositais quando sua quinta temporada retornar - também sem data de estreia até o momento. Se toda essa megalomania de criar uma franquia fosse o único foco do nono ano, seria bem decepcionante e com muitas peças faltando. Por sorte, não é o caso.
Entre Os Vivos
O que faz tudo realmente funcionar são os novos antagonistas. O grupo permeia paranóia e ansiedade por toda a trama, desde despertar teorias nos sobreviventes sobre a possibilidade de inteligência nos mortos-vivos até sua grande revelação, apresentada com a tensão de filme de terror. Alpha, a líder interpretada por Samantha Morton, talvez seja o maior indicador de que há futuro em Walking Dead ao tornar mais pontuais a violência e ação: diferente dos Salvadores que gastavam toneladas de balas a toa a todo momento, os atuais vilões caminham entre os cadáveres, usam a horda a seu favor (como arma e disfarce) e não perdem tempo com ameaças, neutralizando seus oponentes com precisão e sutileza. É muito menos bombástico visualmente que a era de Negan, mas isso não impede algo como Alpha brutalmente assassinando uma dezena de personagens - incluindo principais - em um único episódio, por exemplo.
Morton rouba a cena todas as vezes que aparece. A atriz acerta em cheio na representação de uma maníaca de sangue frio, que planeja cada ofensa, capaz de sacrificar até a própria filha pelo bem maior, e que controla seu grupo com punho de ferro. Enquanto ela é um destaque, é bom ressaltar que o seriado sempre se saiu bem no lado das atuações. Mas aqui elas finalmente ganham mais chances de brilhar, já que gente talentosa do elenco, como Danai Gurira, são escaladas em subtramas cheias de emoções conflitantes, traumas emocionais e decisões complicadas.
A nona temporada de The Walking Dead parece investir em todo o potencial que sempre esteve na série, mas que antes era deixado de lado para dar palco para um grande vilão ou para qualquer coisa que Rick Grimes estivesse planejando. É uma melhora significativa em relação à enrolação dos anos anteriores, mas uma que deve ser vista como um começo: ainda há muito trabalho para Kang e sua equipe pela frente. Mesmo em meio a ótimos episódios, como "Scars" e "The Calm Before", o programa frequentemente passa a impressão de estar improvisando uma história, apenas tirando seletos pontos importantes das HQs. Isso só fica ainda mais estranho sem boa parte dos protagonistas dos quadrinhos, como quando é preciso pegar uma imitação de Carl (Chandler Riggs) para viver seu arco com Lydia (Cassady McClincy), ou em certo momento em que um importante discurso é dado por alguém irrelevante como Siddiq (Avi Nash) por falta de figuras mais marcantes. Isso atrapalha os avanços e a mensagem de que o seriado pode ser muito melhor do que é no momento.
Ainda que abandonar essa velha estrutura narrativa seja o maior dos desafios, definitivamente não é o único. No décimo ano, será preciso muita confiança na visão da showrunner para segurar a barra em meio à necessidade de conquistar a audiência - já que continua despencando semanalmente - e também aos planos mirabolantes da emissora, que com certeza sacrificariam bons roteiros e conclusões dignas sob a desculpa de "criar mais conteúdo". Nada garante que o seriado irá durar mais dez anos como quer a AMC. Por enquanto, fica a grata surpresa de que Walking Dead ainda consegue evoluir e aprender mesmo próximo de completar sua primeira década no ar.