Séries e TV

Crítica

This Is Us - 2ª Temporada | Crítica

Amarrando as pontas soltas do primeiro ano sem economizar na emoção, segunda temporada se ampara da imprevisibilidade da vida para garantir identidade

13.04.2018, às 18H00.

A primeira temporada de This Is Us conseguiu elevar a trama cotidiana sobre recortes de uma família em diferentes épocas ao status de fenômeno da televisão norte-americana. Em seu primeiro ano, as crônicas da família Pearson alcançou não apenas índices invejáveis de audiência como abocanhou também prêmios importantes, como o Emmy e o Globo de Ouro de Melhor Ator em Série Dramática para Sterling K. Brown, o Randall na fase adulta do personagem. Contudo, ainda que cada núcleo se desenvolva de forma praticamente autônoma, o mistério ao redor da morte de Jack (Milo Ventimiglia) ainda na adolescência dos trigêmeos protagonistas acabou tornando-se o fio condutor da trama - e o fato de nenhuma resposta ter sido apresentada na primeira temporada gerou dúvidas sobre a qualidade da série ser mantida se ela optasse por passar anos orbitando ao redor desse enigma.

Para alívio e, paradoxalmente, tristeza do público, a morte de Jack é esclarecida já na segunda temporada, em um dos seus episódios mais emocionantes - o que é uma tarefa bem complicada levando em conta a própria concorrência interna. A decisão de não prolongar além do necessário o segredo acerca do que aconteceu na fatídica noite em que o amado patriarca Pearson morre mostra uma confiança da produção do programa em ir além do óbvio, conseguindo sustentar a trama com seus outros - ótimos, diga-se de passagem - personagens e suas problemáticas.

O segundo ano repete a fórmula de sucesso da primeira temporada ao usar como pontapé inicial momentos de extrema ruptura na vida dos trigêmeos Randall, Kate (Chrissy Metz) e Kevin (Justin Hartley). Enquanto o primeiro decide que é hora de adotar uma criança, sua irmã resolve investir no sonho de ter uma carreira musical e Kevin parte para uma nova etapa em sua vida profissional. Contudo, o novo ano não se prende nessas premissas e muitas vezes ganha vida própria através do subterfúgio do acaso, um elemento recorrente e indispensável para um programa que se propõe a mostrar a beleza presente na inconstância e na imprevisibilidade da vida.

The Big Three

No caso de Randall, a trama é de fato norteada pela adoção de Deja (Lyric Ross), um jovem com histórico familiar problemático. A novidade no núcleo do personagem é bem vinda e bem executada: a introdução de Deja em um contexto de extrema sensibilidade dá novas motivações para todos os personagens, indo desde Randall e sua esposa Beth (Susan Kelechi Watson) até as filhas biológicas do casal, Tess (Eris Baker) e Annie (Faithe Herman). Sobre as duas meninas, vale pontuar que a primeira temporada deu destaque proporcional para as versões infantis dos trigêmeos, mas nunca tratou as filhas de Randall como personagens relevantes. O novo ano acerta ao dar complexidade a elas, principalmente no caso de Tess, semeando o crescimento da menina - algo importante para as próximas temporadas.

Já Kate e Kevin se desviam dramaticamente do que parecia ser o fio condutor de sua história. Apesar de começar a temporada apoiada na ideia de que seus próximos passos seriam ligados à sua carreira, a filha de Jack embarca em uma montanha-russa afetiva no segundo ano da série. Após um breve momento de desilusão com a carreira - que deverá voltar aos holofotes na terceira temporada -, todas as atenções da personagem se desviam para, inicialmente, as complicações de uma gravidez não-planejada, e, em seguida, para o casamento com o simpático Toby (Chris Sullivan). Isso é bom não só pelo óbvio destaque que Toby ganha na trama, mas também por aproximar Kate de Rebecca (Mandy Moore), dando novos contornos à conturbada relação entre mãe e filha.

Kevin é outro que termina o segundo ano em um ponto muito diferente do que podia ser previsto no começo da temporada. Enterrando de vez seu passado em The Nanny, o ator consegue um papel em um filme ao lado de Sylvester Stallone e tudo indica que os problemas do rapaz estarão ligados à questão de conciliar a instabilidade profissional com a retomada de sua relação com Sophie (Alexandra Breckenridge). Antes que o espectador pisque, o rapaz está no meio de uma trama ligada ao abuso de medicamentos e a necessidade de ir para a reabilitação. Ainda que a questão da carreira não seja deixada de lado, Kevin ganha contornos mais sérios no novo ano e, é claro, isso é ótimo para o personagem.

Sobre os três, vale pontuar que eles estão em um dos dois pontos altos da nova temporada, dividindo o pódio, é claro, com os episódios centrados em esclarecer de vez a morte de Jack. A sequência de capítulos intitulados "Number One", "Number Two" e "Number Three", cada uma focada em um dos trigêmeos, mostra o trio em situações limite realmente sérias, subvertendo o começo da temporada que parecia ter problemas um tanto quanto superficiais reservados para eles. No ponto dessa tríade de capítulos, os três encaram situações-limite que foram semeadas na primeira parte da série e definem os rumos finais da temporada.

Adeus, Jack

Se o primeiro ano da série gira em torno do mistério da morte de Jack, o segundo orbita ao redor da resolução dela. No emblemático décimo quarto episódio intitulado "Super Bowl Sunday", o criador e produtor executivo Dan Fogelman assume o roteiro da narrativa que encerra a vida do personagem mais amado da trama, ligado definitivamente todas as pontas soltas plantadas até então - como a culpa de Kate, a ausência de Kevin e o luto de Rebecca. Ainda que o episódio seja uma grande homenagem ao irresistivelmente perfeito Jack Pearson, o grande nome tanto neste capítulo quanto no seguinte, "The Car", é Rebecca. Se a trama mostra os filhos do casal em momentos-limite, nenhum deles chega perto da dor de Rebecca e das mudanças que ela sofre na morte do marido.

Mandy Moore conduz com exatidão e delicadeza a dor de uma mulher que precisa administrar sozinha a dor de perder a pessoa que mais ama sem deixar que isso se torne um trauma ainda maior para os filhos. Tanto na cena da notícia da morte de Jack, onde a mulher demora a acreditar no que está acontecendo e dá uma mordida dolorosamente leviana em um pedaço de chocolate, até a decisão de ir ao show do Bruce Springsteen na noite do enterro do marido, a trama constrói uma imagem de mulher realmente forte para a matriarca Pearson, algo até então pouco trabalhado. Merece destaque ainda a cena de Rebecca e Dr. Katowski (Gerald McRaney) no velório de Jack, uma das mais bonitas da série.

Ao que tudo indica, se livrar das amarras criadas pela própria série segurando o espectador em busca de saber o que havia culminado na morte de Jack abriu janelas promissoras na trama. Exemplo disso é a inesperada introdução de uma quarta linha temporal no futuro, onde os trigêmeos são os rostos envelhecidos da vez - a descoberta de que a assistente social da hipotética segunda adoção é uma Tess (Iantha Richardson) já adulta foi tão surpreendente quanto a entrada de um Randall de cabelos brancos em cena. Além disso, os momentos finais da série deixam claro que o drama é garantido para qualquer um da família Pearson, mesmo que tenha acabado de entrar para ela - como é o caso de Toby, cuja depressão deverá estar no centro da dinâmica entre ele e Kate no próximo ano.

O encerramento da série, ainda que com a exuberância clichê de um casamento, pode decepcionar parte dos espectadores por não superar os momentos dramáticos intermediários, mas, na verdade, é bastante condizente com um programa que se propõe a tirar poesia dos momentos banais do cotidiano. A graça da atração está no poder de um roteiro primoroso, capaz de transformar qualquer situação em uma das pequenas gotas que enchem um balde de drama, capaz de se personificar na figura de uma gravidez, de um acidente ou até da morte do protagonista. A decisão criativa embrionária de exibir simultaneamente diferentes épocas se mostra mais interessante ainda no segundo ano, dando ao expectador a nostalgia do passado e a curiosidade pelo futuro. Fazendo uma pequena alteração no ditado do Dr. Katowski, This Is Us segue provando em seu segundo ano que não há limão tão azedo com o qual não se possa fazer algo parecido com a limonada mais dramática de todos os tempos.

Nota do Crítico
Excelente!