This is Us/Fox/Divulgação

Séries e TV

Crítica

This is Us - 3ª temporada

Seriado deixa de lado a noção de família “impecável” e foca na beleza das imperfeições

04.04.2019, às 16H48.

Em 2016, quando This is Us começou a ser exibida, a família Pearson parecia perfeita. Jack e Rebecca eram dois jovens apaixonados prestes a ter trigêmeos. E embora um dos bebês tenha morrido no parto - gerando uma dor incrível no casal - eles superaram isso com a adoção de Randall e continuaram o conceito de “família de comercial de TV”. Mas a proposta da série de Dan Fogelman é, na verdade, mostrar a vida como ela é e para isso ele precisou desconstruir todo esse conceito durante a terceira temporada.

O primeiro personagem a passar por isso foi o próprio Jack. Ele continuou sim sendo um bom pai e marido, mas This is Us foi além para mostrar que ele também teve muitos traumas durante a guerra e isso o levou a deixar de lado seu irmão mais novo. A figura de Nick Pearson, tão diferente do irmão, foi fundamental para a série mostrar como Jack sempre viu tudo muito “preto e branco”, sem conseguir enxergar a zona cinza que existe em todas as pessoas. Esse conceito duro faz com que Jack reduza Nick a um erro cometido durante a guerra do Vietnã e não permita o convívio dele com sua família.

Claro, quando toda essa história é descoberta há um grande baque. Kate não entende por que o pai mentiu e a própria Rebecca se culpa, pensando que não foi compreensiva o suficiente com Jack e por isso ele não se abriu. Há um estalo de mudança na família Pearson e também no público, mas isso é positivo. O Jack de 2019, diferente daquele lá de 2016, é mais real, mais completo com suas imperfeições e isso aumenta a identificação do público - que pode não concordar com o que ele fez, mas certamente o entende.

O resgate de lembranças também é bem utilizado pela série quando Kate relembra um dia feliz da infância ao lado de Randall, mas o irmão diz a ela que naquele dia Jack estava extremamente tenso e chegou a quebrar um prato na cozinha dos Pearson. Kate não se lembrava daquele detalhe e guardou para si apenas os momentos bons, como uma defesa da figura de quem Jack foi. Quando descobre a verdade, a personagem fica mexida, mas aos poucos a série mostra como é normal guardar momentos felizes ao invés dos tristes.

Depois da desconstrução de Jack, quem passa por isso é o Grande Trio. Kate se esforça para se formar na universidade e levar sua gravidez adiante. Novamente, tudo parece perfeito no mundo dela, até o parto prematuro do filho, que recebe o nome de Jack. A partir de então toda a família, mas especialmente Kate e Toby, precisam lidar com o fato de que a gravidez não foi perfeita, que o bebê Jack precisa ficar na encubadora para crescer e que este começo de paternidade será ainda mais difícil do que eles imaginaram. Só que, ao invés de chorar e lamentar, Kate reúne forças e mostra como, mesmo com suas imperfeições, aquela é a sua família e há sim certa beleza nas coisas que não saem conforme o previsto.

Quem é o verdadeiro Jack Pearson?

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Um pouco mais apagada na segunda fase, a jornada de Kevin tem mais a ver com amadurecimento. O personagem de Justin Hartley tem sérios problemas com bebidas durante a terceira temporada e esse vício tem consequências tão dolorosas para Kevin e Kate, que ele inicia um caminho de sobriedade mais sério do que jamais tinha percorrido. Kevin sempre teve dificuldades em perceber como suas atitudes prejudicam quem está ao redor e foi só quando isso aconteceu literalmente, que ele percebeu que precisa ser mais responsável.

Quando se depara com os erros de Jack, Kevin sente sim a imperfeição do pai, mas seu questionamento é se ele vai repetir esses erros, ou será melhor do que Jack, um ponto de vista que nem Kate, nem Randall tiveram e que traz uma característica madura ao personagem. Ele também toma uma decisão difícil em seu relacionamento com Zoe, mas depois de passar por tantas coisas, parece pronto para aceitar o que é melhor para si sem culpas.

Por fim, Randall Pearson tem uma curva de amadurecimento que é fechada com muito suspense no último episódio da temporada. Filho com a personalidade mais próxima de Jack, ele foi tão teimoso quanto o pai quando colocou em cheque seu relacionamento com Beth para seguir o sonho de comandar o conselho municipal da cidade de Filadélfia. Ao mesmo tempo, sua esposa passou por uma jornada de transformação e aceitação própria que teve a música como ponto central. Os dois querem realizar coisas incríveis, mas Randall acredita que sua escolha é mais importante do que a de Beth e isso leva a embates homéricos entre os dois. Até então o marido perfeito, Randall tem atitudes machistas inexplicáveis, que inclusive fazem um paralelo interessante com a descoberta dos erros de Jack. A dúvida se o casal conseguiria ficar junto durou até uma cena específica do episódio final, que ressalta o quanto o criador Dan Fogelman gosta de brincar com as percepções do público. A narrativa fez a maioria dos fãs imaginar um certo desfecho, mas quando quebra isso, o seriado volta com sua mensagem principal: não há nada mais imprevisível do que a própria vida real.

“Ela”

A terceira temporada de This is Us tem apenas um ponto fraco, mas poderoso o suficiente para tirar parte do brilho da narrativa. Desde que apresentou seu primeiro flashforward (uma cena no futuro), a série brincou com quem seria “ela”, a pessoa que a família Pearson visitaria no futuro. Esse mistério foi introduzido relativamente no começo da temporada, dando a entender que “ela” tinha algum problema grave que afetou a todos.

Exatamente como aconteceu com o mistério de Nick Pearson, essa semente foi plantada, mas a resposta demorou para chegar, deixando a expectativa do público muito alta sobre o que seria. Será que Kate estava doente no futuro? Poderia ser Rebecca? Ou uma nova pessoa apresentada na história? Só que ao invés de mostrar uma reviravolta digna deste mistério, o que a série apresentou foi um momento muito singelo e comum na vida de qualquer pessoa.

Claro, This is Us sempre volta para a ideia de ser realista e isso faz com que a revelação seja coerente. Só que ela não teve o brilho esperado e isso foi intensificado pelo fato de que tudo acontece muito rápido. A cena em si é literalmente a última da temporada e não há tempo para o público se conectar com o que foi mostrado. Há um choque, mas os créditos começam tão rápido que esse efeito passa rapidamente e deixa mais dúvidas do que sentimentos. O gancho para a quarta temporada está pronto e há muito o que explorar. A expectativa que fica, no entanto, é de que a série deixe de demorar tanto para entregar tão pouco.

Porém, mesmo com essa grande quebra de expectativa, This is Us cumpriu bem seu objetivo nesta temporada, que foi transformar o conceito de “família perfeita”. A humanidade é cheia de conceitos do que é “certo” ou “errado”: se forme na faculdade; faça um grande casamento; tenha filhos; viaje com a família; entre muitos outros. Mas a verdade é que a forma “certa” de viver é a que cada um escolhe e está tudo bem se a vida não for perfeita o tempo todo. Há beleza nos pequenos defeitos que tornam cada vivência única. Os Pearsons aprenderam isso e nós aprendemos também.

Nota do Crítico
Ótimo