Séries e TV

Crítica

This is Us dá um adeus minimalista para sua trajetória de máximas emocionais

Episódio final celebra a beleza da rotina e poetiza sobre tudo que não tem fim

26.05.2022, às 11H05.
Atualizada em 26.05.2022, ÀS 13H45

Apesar de qualquer problematização, em última instância, podemos dizer que This is Us é uma série sobre o coletivo; e somos passíveis de reconhecer totalmente o que é ter uma família. Curiosamente, esse é um conceito capaz de ser compreendido até por quem não tem uma. A família é a conexão emocional definitiva entre pessoas que compartilham ou não do mesmo DNA, mas que têm todas o mesmo objetivo: perpetuarem essa conexão através da história. O pronome “us (nós)” no título da série de Dan Fogelman, exerce sua função gramatical de reunir quem fala e quem é referido, como se descrevesse essa relação intrínseca com um pouco de simbolismo. Toda vez que falo “us” – ou “nós” – eu falo de mim e de você. E quem é esse “us” na sua vida?

O episódio piloto de This is Us talvez seja um dos melhores episódios da história das séries de TV. Bem escrito e dono de uma edição que chegou ao ponto de ser lírica, o episódio mostra a história do parto de Rebecca (Mandy Moore) em convergência com as vidas de Kevin (Jason Hartley), Kate (Chrissy Metz) e Randall (Sterling K Brown), sem que saibamos – até o último momento – que os três são os bebês que estão nascendo naquela noite. É um trabalho de roteiro e direção que praticamente nos aniquila, nos desarma... esse primeiro episódio tem um efeito de preenchimento sensorial. Pronto, ali estava o começo de uma história de conexões emocionais, entre nós, entre ficção e realidade.

Em muito pouco tempo a série ficou conhecida como “aquela nos faz chorar em todos os episódios”, o que deu, também, uma certa dor de cabeça na sala dos roteiristas. Raro produto de TV aberta nos dias de hoje que ainda tem muita popularidade, This is Us precisava ter muitas temporadas e ter 18 episódios em cada uma. Como emocionar o público tantas vezes? Como fugir dos clichês que rondam as temporadas de dramas familiares (como parentes perdidos, mortes chocantes, romances esdrúxulos e doenças graves)? É seguro dizer que a série lançou mão de quase todos esses recursos; mas sem nunca perder de vista o aspecto mais importante de sua base: elegância.

This is Us nunca foi sobre grandes acontecimentos, mas sobre encontrar beleza e catarse no que a vida tem de mais simples. Folgelman tomou uma avenida diferente ao lidar com seu universo: ao invés de bombear emoções com viradas rocambolescas, foi atrás de impacto afetivo em coisas pequenas como um sábado à noite na sala de casa. Uma viagem de carro dos Pearsons poderia render um episódio inteiro com gente hipnotizada na frente da TV, só por conta dos bons diálogos e da boa direção dos atores. Aquele era um texto que sabia se construir em torno do minimalismo, apostando que qualquer pessoa poderia se identificar com o que estaria sendo dito.

This Was Us

Levar esse drama famíliar até sua última temporada era uma questão urgente. Em seus cincos antes anteriores, a série acabou precisando recorrer a quase todos os clássicos do gênero e no meio desse processo nos ameaçou com um ou outro momento de perda de força. A terceira temporada não foi a mais fácil de ser vista... Todo o arco envolvendo o irmão de Jack (Milo Ventimiglia) no Vietnã acabou sendo uma maneira longa e cansativa de falar sobre as imperfeições dos Pearsons. Contudo, a série acabava se redimindo quando não tratava o recurso como uma medida narrativa criada unicamente para ter “assunto” naquela temporada. Nick (Griffin Dunne) permaneceu no elenco até o fim. O mesmo aconteceu com Deja (Lyric Ross). Personagens como eles, em outros dramas familiares, poderiam ser tratados apenas como muletas de um ciclo só.

Durante seu percurso, a série também preocupou quando decidiu que a mãe de Randall não estava morta. Mas, novamente, a resolução desse enredo tomou uma direção sóbria e cuidadosa, justificando a decisão e disfarçando suas características emergenciais. Nem sempre a busca pela emoção foi natural, nem sempre os hábitos da família Pearson eram todos muito comoventes... Se coisas como o chapéu do peregrino deram certo mesmo sendo levemente ridículas, outras como o novelo de lã passando de um por um na mesa do Dia de Ação de Graças permanece no limbo das péssimas escolhas narrativas. This is Us nunca rejeitou os clichês do drama seriado, mas soube conduzir bem quase 100% deles.

This is Them

Em sua última temporada vários dos caminhos escolhidos para os personagens seguiram essa condução muito próxima do clichê, mas salvos pelo bom texto e pela sensibilidade da direção e da edição. Com exceção de Randall – que passou a última temporada sem precisar lidar com nenhuma grande transformação pessoal – as vidas dos outros personagens passaram por processos intensos, sem que nenhum deles estivesse longe do que já conhecemos como espectadores de TV.

Até metade da temporada - mais especificamente até depois da trilogia da piscina pública - os episódios apenas fizeram os protagonistas girarem no mesmo lugar: Kevin por não ser levado a sério, Kate por ser gorda e Randall por ser adotado. No fundo, tudo que eles viviam eram variações dessas mesmas inseguranças; o que não é um problema, é claro (todos nós estamos em uma constante batalha contra nossos sabotadores). Mas, pode acabar sendo repetitivo e enfadonho. Junte isso ao fato de que mesmo tendo conseguido manter os atores que faziam os irmãos adolescentes, a produção precisou trocar os que os faziam crianças e isso pesou no espectador mais atento. O trio original de crianças voltou na finale (numa cena gravada 3 anos atrás e reservada para isso), só reforçando como eles eram valiosos para manter nossa ligação com aquele passado.

Essa primeira metade do ano final confirmou que a série precisava mesmo chegar ao fim. A vida real, as famílias reais, vivem repetições constantes; mas, embora precise ser verossímil, a ficção precisa manter em perspectiva sua responsabilidade de entretenimento. This is Us já estava perdendo a sua, notoriamente. Quando os roteiristas alcançaram o ponto da temporada em que seus planos de fim se encaixavam com o número de episódios restantes, foram abandonando todas as subtramas dos protagonistas. Ficaram lacunas em todos os enredos profissionais, mas, especificamente, a falta de cuidado em resolver a carreira de Kevin foi o mais frustrante.

Kevin, aliás, sempre foi o mais complicado de conduzir. Por ser o “elemento privilegiado” entre os três irmãos, era praticamente inevitável que seus dramas fossem dramas românticos. O investimento em sua carreira sempre foi o que tirava o personagem do lugar comum. Apesar da polidez do episódio centrado em suas resoluções amorosas, o lugar de maturidade onde o personagem se assentou não foi desenvolvido com fluidez. Passar tantos anos desenvolvendo a relação dele com sua carreira e depois descarta-la como fator de crescimento pessoal também foi decepcionante.

Já Kate chegou mais perto ainda do chavão narrativo. A decisão de fazer com que ela e Toby se separassem estava sendo conduzida através do argumento mais óbvio da teledramaturgia: o peso do trabalho. Por muito tempo pareceu que a personagem se despediria dessa maneira de sua trajetória na série. Mas, o episódio centrado na resolução desse casamento foi um dos mais bem escritos e editados da história da série. Através dos anos, a relação de Kate e Toby foi se deteriorando, mas a maneira como o episódio organizou essa evolução fez com que a obviedade da solução soasse especial, incomum, indo direto no coração do espectador.

O mesmo aconteceu com os episódios onde nos despedimos de Miguel (Jon Huertas) e de Rebecca. Miguel era tratado pelos roteiristas como se fosse um agregado silencioso, da mesmíssima forma como os outros personagens o tratavam. Ele merecia destaque há muito tempo e a única forma de redimi-lo perante o público era fazê-lo ser um marido tão dedicado a Rebecca quanto Jack já fora. Seu episódio solo foi outro ponto alto da temporada final.

This is the End

Enfim, o verdadeiro Series Finale veio quando o público deu adeus à Rebecca. A metáfora do trem como passagem para a outra vida não é necessariamente uma novidade na dramaturgia, mas Dan Fogelman usou com equilíbrio e bom gosto. Pudemos rever rostos conhecidos e sentir – tal qual os personagens – a mesma atmosfera de mudança e melancolia. Envelhecer é colecionar perdas, é ver uma geração inteira pegando as embarcações para os portos cinzentos, é dizer adeus. O último episódio foi de assentamento, foi uma lufada de ar depois de uma madrugada de choro e absolutamente nada aconteceu nele. Mas era exatamente assim que tinha que ser. Essa série descobriu o que muita gente em segredo já sabe: o amor é feito da beleza da rotina e não dos grandes gestos momentâneos. This is Us era tão forte justamente porque era simples.

“Esses somos Nós”... a vida de todo mundo é descobrir quem são esses “somos”; se você tem o seu, se já encontrou o seu, se já perdeu, se já acreditou no revés das possibilidades e expectativas. Quem é o “us” que te segura a mão nas noites de angústia, que te esquenta nas de frio? Quem é o “us” que te salva dos seus perigos, que afasta os seus demônios, que te protege? Quem é o “us” com quem você faz planos de viagem, com quem compartilha contas, dívidas, economias? Quem é o “us” para quem você corre quando quer parar de chorar? Quem é o “us” que te faz sentir alegria? Quem é o “us” para quem você conta segredos, com quem você cria memórias que estará no seu trem noturno quando a hora derradeira chegar? Quem é o seu “us”? Foi isso que essa série veio nos dizer em meio ao cinismo que nos rege: O “us” desse título tem o plural mais importante da nossa existência. Se você não vê o seu quando fecha os olhos, busque. E não pare até encontrar. 

Nota do Crítico
Excelente!