Há quatro anos, Donald Trump era eleito e então nada mais foi igual. We Are Who We Are se passa nos meses em torno da eleição presidencial de 2016 e acompanha dois adolescentes, Fraser e Caitlin, vividos por Jack Dylan Grazer e Jordan Kristine Seamón, que também estão na idade das mudanças definitivas. O fato de a série criada por Luca Guadagnino traçar esse paralelo superdimensionado - igualar o impacto de questões geopolíticas no mundo ao despontar da sexualidade - dá uma ideia precisa do encanto e do espalhafato que WAWWA gera em igual medida.
A particularidade da ambientação é que, na prática, a trama se passa em um não-lugar. Por mais que suas excentricidades impeçam uma identificação imediata com o espectador, Fraser é o nosso canal de entrada, menino novaiorquino que se muda para a Itália porque sua mãe militar é a nova comandante da base americana em Chioggia, arredores de Veneza. Quando Fraser, filho de lésbica, se aproxima de Caitlin, filha de um coronel de perfil conservador, a série estabelece a base da polarização, mas isso não vale muito no mundo fluido dos jovens, e menos ainda em um pedaço irreconhecível do território americano encravado na costa do Vêneto, onde, ironicamente, as noções de hierarquia e autoridade se diluem com a impermanência.
No nosso artigo de primeiras impressões, depois do episódio de estreia, parecia claro o parentesco com o filme mais conhecido de Guadagnino, Me Chame pelo Seu Nome, porque o cenário de WAWWA também faz as vezes de uma grande colônia de férias. Ali, histórias de amor de verão se consumam, mas no caso da geração Z de Fraser e Caitlin esse amor pode ser muitos, e de tipos distintos. A série encanta porque a permissividade do não-lugar parece o contexto ideal para que os personagens experimentem e descubram a vida sem pudor ou julgamento, protegidos pelo privilégio americano. É um clichê dizer que histórias de formação tratam do fim da inocência, e parte do encanto da série é ir na contramão da regra e - de dentro da sua bolha social - falar de amadurecimento sem abrir mão da inocência.
As lembranças da guerra e as nuvens negras do noticiário político servem, então, de lastro para que essa história não fique à deriva na sua própria fantasia. É isso o que aterra WAWWA, e ao mesmo tempo é o que revela a face ridícula da série, pois tratar o mundo fora da bolha de Chioggia como um acessório funcional de dramaturgia nos alerta para a artificialidade desse encanto. É como se Fraser não tivesse se transformado ao se mudar para a Itália, mas o contrário: aos poucos a bolha se aliena à semelhança de Fraser, com seus looks diários de espalhafato, para quem a revolução será feita das passarelas para as ruas.
De certa forma, é esse paradoxo entre a fantasia e a autoconsciência que permite que WAWWA se mantenha interessante até o final; os momentos de filler se transformam em epifanias de discurso. Diretor de todos os oito episódios, Guadagnino incorpora formalmente a liberdade juvenil e experimenta com câmeras lentas, frames congelados, digressões teatralizadas, muito uso de canções e até com a tipografia nos créditos de abertura e final. Se o que dita a vida dos adolescentes da Gen Z é a fluidez, então o diretor italiano abraça a narrativa de fluxo; as relações de causa e efeito são frequentemente minimizadas na série em favor de acontecimentos episódicos que formam um painel de experiências de apreensão do mundo sensível.
Nos melhores momentos, como o episódio da festa de casamento, Guadagnino consegue capturar e transformar instantâneos desse fluxo em material de assombro: os resquícios da passagem humana pelo mundo se fixam na imagem, por mais efêmeros que sejam. Seja uma tempestade de vento, um show, um fim de tarde de embriaguez, uma discussão em família, tudo o que entra no fluxo de WAWWA e que então se inscreve definitivamente na memória afetiva dos personagens tem também esse potencial de se fixar na imagem para nós. É daí que a série tira a sua força: esse esforço de se fixar no mundo, por mais que Chioggia seja um não-lugar e a regra geral seja a impermanência.
Já nos momentos mais ruidosos, quando as escolhas de Guadagnino não parecem tão precisas, a mensagem chega cortada. Um bom exemplo é a solenidade do luto no fim do sétimo episódio, em que um personagem se levanta enquanto começa a tocar “Let ‘Em In” do Wings e a cena parece que vai virar mais uma das digressões de carga coreográfica a que o espectador já se acostumara. Esperamos um número musical, e a própria canção por Paul McCartney tem vocação lúdica, mas a intenção chega incerta e desarma a gravidade daquele que seria o clímax do conflito político central da série.
De qualquer forma, o núcleo da rotina militar parece sempre uma coisa ornamental; a série nunca deixa de olhá-lo com o viés blasé de Fraser. Isso já se sugeria na cerimônia da passagem de comando do episódio de estreia, em que a música pop sobrepõe a marcha, e fica latente até nos momentos que seriam autônomos do núcleo militar, como a cena em que a coronel passa o briefing da manhã do luto (na sala, seus comandados não falam, não reagem, não gesticulam, são mais manequins selecionados pelo fato de serem diversos em gênero e etnicidade).
A decisão de ignorar esse núcleo e se entregar à fuga no episódio final não deixa de ser, em contexto e em sentido amplo, uma resposta à eleição de Donald Trump, um mecanismo de defesa para negar a realidade que a política nos impõe. É como se esses amores de verão inconscientemente buscassem se fixar, independente da sua natureza efêmera, para remediar a própria dureza da vida incompreensível dos adultos. Não seria diferente em WAWWA e é um final-síntese mais que apropriado para a série: uma sequência de correrias que se entrega ao fluxo, que dão essa sensação vital do movimento, ainda que não se saia do lugar, nem da zona de conforto.